Esclerose múltipla não tem cura, mas pode “adormecer”: entenda como se trata a doença

A esclerose múltipla, segundo estudos, afeta cerca de 2.8 milhões de pessoas em todo mundo e, por causar danos ao sistema nervoso, faz com que boa parte dos pacientes conviva com sintomas que diminuem mobilidade, equilíbrio e causam dores. Esta doença (também conhecida pela sigla, EM) no entanto, não é uma sentença – e, mesmo sem cura, pode ficar “adormecida” com o auxílio de certos tratamentos.

Esclerose múltipla: o que é

De acordo com informações da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), a esclerose múltipla é uma doença neurológica crônica e autoimune – ou seja, uma condição em que o próprio corpo ataca o sistema nervoso por toda a vida. Mais especificamente, a EM ataca a chamada bainha de mielina, estrutura que funciona como “capa” dos neurônios e garante a transmissão correta de impulsos nervosos.

Este processo, chamado desmielinização, gera inflamação nas áreas afetadas e, conforme o tecido tenta se regenerar, forma uma espécie de cicatriz. Este tecido cicatricial, porém, não é capaz de ter as mesmas funções que o original, e isso acaba levando ao acúmulo de incapacitações neurológicas – ou seja, os sintomas da EM – com o passar dos anos.

Esclerose múltipla danifica a chamada bainha de mielina
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Em geral, o desenvolvimento da EM consiste em momentos de “surto” (sintomas exacerbados) e em períodos de remissão nos quais o corpo pode ou não recuperar funções alteradas e ficar sem – ou quase sem – sinais de inflamação. Segundo a Sociedade Nacional de Esclerose Múltipla, órgão norte-americano, as causas da doença não são totalmente conhecidas, mas suspeita–se de que uma combinação entre fatores genéticos e ambientais esteja envolvida.

Esclerose múltipla adormecida: quando acontece

Ainda que a esclerose múltipla não tenha cura, os tratamentos citados podem, na maior parte dos casos, fazer com que a doença “adormeça” e, a Tá Saudável, a médica Inara Taís de Almeida, neurologista membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, explica a questão.

“O tratamento pode deixar a doença ‘adormecida’, ou seja: sem atividade inflamatória no organismo. Algumas pessoas podem ficar bem e sem atividade da doença por muitos anos”, afirma a neurologista. Isto, por sua vez, significa que o intervalo entre as crises aumenta muito, espaçando também os episódios de degeneração da bainha de mielina e, consequentemente, desacelerando a progressão da doença.

Quando este efeito ocorre, é possível, inclusive, suspender o uso do remédio. Isso costuma ocorrer após alguns anos de uso das medicações, e os pacientes tendem a passar um período longo sem crises mesmo após descontinuá-las.

Tratamentos para esclerose múltipla

Remédios para esclerose múltipla modificam o curso da doença
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Apesar de não ter cura, há, atualmente, uma série de tratamentos para esclerose múltipla que “atacam” a doença em diferentes frentes:

Tratamento para reduzir crises da esclerose múltipla
Em geral, o tratamento para EM, que consiste em reduzir as crises, é feito com medicamentos modificadores de doença. Estas terapias ajudam a mudar o desenvolvimento da condição ao agir diretamente no sistema imunológico, limitando a doença e desacelerando a progressão. Nesta categoria, há uma variedade de remédios tanto de administração oral quanto injetável. Entre os mais comuns estão o Avonex, o Copaxone, o Ocrevus e o Tysabri – e, no Brasil, alguns deles são distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Tratamento para as crises de esclerose múltipla
Fases de crise de esclerose múltipla tendem a ocorrer de tempos em tempos e são caracterizados pela exacerbação dos sintomas da doença. Isso acontece nos momentos em que o sistema imunológico está atacando a bainha de mielina, gerando inflamação – e também é possível tratar estes surtos para diminuir ou reverter possíveis consequências neurológicas.

Crises da EM são causadas por ataques do sistema imunológico à mielina
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Segundo a Sociedade Nacional de EM dos EUA, quando os sintomas da crise são leves (formigamento, fadiga, etc), nem sempre é necessário interferir. Já em crises com sintomas graves que afetam o dia a dia, como perda de visão, fraqueza severa e perda de equilíbrio, corticoides ajudam a frear processos inflamatórios e podem contribuir positivamente com o quadro.

É importante frisar, porém, que, ao desconfiar que está tendo uma crise (já que nem todas têm sintomas tão expressivos), o paciente deve buscar o médico que faz o acompanhamento da doença para definir o melhor tratamento, e que estes remédios tratam apenas a crise, sem efeito prolongado no desenvolvimento da doença.

Perda de equilíbrio e mais sintomas da esclerose aparecem em momentos de crise
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Tratamento para sintomas específicos de esclerose múltipla
Já o tratamento para os sintomas e as sequelas da EM envolve uma série de medicamentos e terapias, e suas aplicações e recomendações dependem de qual é o problema a ser abordado.

Segundo o NHS, certos remédios, por exemplo, podem ajudar com problemas de visão, espasmos musculares, dor neuropática e questões relacionadas à memória, enquanto psicoterapia e medicamentos psiquiátricos podem auxiliar no tratamento de questões como depressão, algo comum entre pacientes com a doença. Fisioterapeutas, por sua vez, podem ajudar com incontinência urinária e fecal, enquanto a fonoterapia entra para cuidar de problemas relacionados à fala.

Transplante de células-tronco para esclerose múltipla funciona?

Desde 2016, quando a atriz Cláudia Rodrigues, que tem esclerose múltipla, optou por esta modalidade de tratamento, o transplante de células-tronco tem sido bastante discutido. De acordo com a Abem, o tratamento, cujo nome completo é transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas (TACT), tem, basicamente, o papel de “construir” um novo sistema imunológico para o paciente.

As células-tronco são células com potencial de se “transformar” para assumir funções bastante específicas. Sendo assim, elas podem ajudar a recompor tecidos danificados – e, no caso do transplante para esclerose múltipla, o paciente tem o funcionamento do próprio sistema imunológico praticamente interrompido para que, quando colocadas no organismo, estas células atuem na reconstrução de funções perdidas e tecidos destruídos.

Transplante de células-tronco é opção de tratamento para alguns casos de EM
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O transplante, porém, não é muito utilizado. Segundo a Abem, ele é considerado um tratamento de exceção, indicado para poucos casos devido ao fato de que, durante suas etapas, o paciente fica altamente suscetível a infecções e o risco de morte é grande. O órgão informa ainda que há, ainda hoje, poucas evidências dos efeitos positivos do transplante em pacientes de esclerose múltipla.

Além disso, conforme explica a neurologista Inara Taís de Almeida, o transplante também é pouco utilizado pelo fato de haver alternativas mais eficazes. “Hoje, existem medicamentos com a mesma eficácia do transplante e com menos efeitos colaterais”, pontua a médica.

Tipo de esclerose múltipla influencia no tratamento

É importante frisar, porém, que o desenvolvimento da doença com ou sem tratamentos depende bastante do tipo de EM que o paciente tem. São eles:

Esclerose múltipla remitente-recorrente
A EM remitente-recorrente é o tipo mais comum da doença e consiste em períodos de surto intercalados a períodos de remissão, onde os sintomas tendem a diminuir ou desaparecer. Nos períodos de remissão, sequelas dos surtos podem se manifestar, mas não há progressão da doença nestes momentos. Nestes casos, medicamentos modificadores da doença ajudam a espaçar surtos, limitar a progressão da condição e manter a esclerose múltipla “adormecida” por períodos maiores.

Esclerose múltipla pode apresentar diferentes cursos
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Esclerose múltipla progressiva primária e secundária
Mais rara, a EM progressiva primária tem perda progressiva de funções neurológicas sem períodos de crise ou remissão. Aqui, medicamentos modificadores de doença também são utilizados, mas os pacientes podem se beneficiar mais de terapias de reabilitação voltadas para os sintomas.

No caso da secundária, a doença começa como remitente-recorrente e, em dado momento, se transforma em progressiva. Assim, conforme a condição se transforma, os tratamentos tendem a ser adaptados

Saiba reconhecer os sintomas de esclerose múltipla

Em geral, a EM tende a causar uma gama bem variada de sintomas, e os quadros são bastante distintos entre si, havendo a possibilidade de alguns pacientes terem problemas que outros jamais terão. Em geral, os primeiros sintomas de esclerose múltipla variam entre:

  • Fadiga;
  • Dormência;
  • Perda de equilíbrio;
  • Tontura;
  • Rigidez ou espasmos em membros;
  • Tremores;
  • Dor;
  • Incontinência urinária ou fecal;
  • Problemas de visão;
  • Problemas de memória e raciocínio.
Espasmos musculares podem estar entre os primeiros sintomas de EM
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Com o passar dos anos, a depender da progressão da doença, estes sintomas podem se juntar aos iniciais:

  • Problemas de mobilidade;
  • Disfunções sexuais;
  • Dificuldade de fala e de deglutição;
  • Degeneração cognitiva;
  • Depressão e ansiedade;
  • Fraqueza.

Convivendo com a esclerose múltipla