Aprovada para venda como suplemento alimentar pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dosagens específicas desde outubro de 2021, a melatonina começou, em dezembro do mesmo ano, a chegar às farmácias. Desde então, inúmeras propagandas recomendam o uso de suplementos que contêm a substância sob a ideia de que ele ajuda no combate à insônia – mas, em meio à propagação da melatonina como algo positivo sem qualquer efeito colateral, médicos têm feito alertas. Entenda o que é a melatonina, quem pode tomar e quais os benefícios reais de se consumir este hormônio.
Melatonina: para que serve
Conforme explica a médica Natalia Parente Alencar, endocrinologista membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional de São Paulo (SBEM-SP), a melatonina é, apesar de conhecida por muitos apenas como suplemento alimentar ou medicamento, uma substância produzida pelo próprio corpo, e sua ligação com o sono existe justamente pela função que ela tem no organismo.
“A melatonina é produzida pela glândula pineal, no cérebro, à noite, como um sinal ao corpo de que o dia acabou e a noite chegou. Apesar do que se diz, ela é o ‘hormônio da noite’, e não o ‘hormônio do sono’, visto que sua função principal não é induzir o sono, e sim preparar o corpo para as funções noturnas – entre elas, o sono”, pontua a endocrinologista, citando também que a melatonina interfere na liberação de insulina pelo pâncreas e tem, portanto, um papel essencial no metabolismo.
No caso de suplementos alimentares, a melatonina é exatamente este hormônio em forma de comprimidos ou gotas, usado na intenção de melhorar o sono.
Melatonina para dormir: funciona sempre?
Em propagandas de compostos com melatonina, é comum ouvir que os suplementos em questão são indutores naturais do sono e, portanto, atuam positivamente contra a insônia, mas, segundo a endocrinologista da SBEM-SP, isso nem sempre acontece. Nos casos de insônia, conforme explica a médica, há uma porção de possíveis causas – e a melatonina não age diretamente em nenhuma delas, além de, às vezes, sequer ajudar no sintoma do problema, que é a falta de sono.
“Todo quadro de insônia deve ser investigado por um médico, pois as causas são diversas e o tratamento deve ser direcionado de acordo. Por isso, o uso de melatonina por conta própria pode adiar um diagnóstico que levaria a um tratamento específico para a causa da insônia. A melatonina pode ajudar para casos de insônia inicial (ou seja, dificuldade de pegar no sono), mas não ajuda a manter o sono a noite inteira, não sendo indicada para a chamada insônia de manutenção [dificuldade em permanecer dormindo]”, pontua a médica Natalia Parente.
Além disso, em alguns casos – a depender de como é ingerida – a melatonina pode, na realidade, bagunçar o sono. “O uso de melatonina em horários irregulares pode bagunçar todo o nosso ritmo circadiano. Isso levará a pessoa a ter sono em horários irregulares”, afirma.
Quem pode tomar melatonina?
A melatonina, de acordo com a endocrinologista, auxilia na melhora do sono em casos específicos, e um dos principais é a deficiência na produção natural do hormônio pelo corpo. Isso, conforme explica a médica, é comum em quem tem contato exagerado com luz noturna ou luz azul (gerada por telas), hábito capaz de inibir a produção natural de melatonina e interferir no ritmo de sono.
Além disso, segundo ela, idosos produzem 75% menos melatonina que os jovens, e pessoas que, por alguma condição de saúde, tiveram a glândula pineal removida, também apresentam deficiência de melatonina. Sendo assim, estes grupos podem se beneficiar de suplementos que contêm o hormônio.
Conforme explica a médica, além destes grupos, há outras situações em que a ingesta de melatonina pode ser positiva. “Ela pode ser indicada para pessoas com distúrbios de ritmo circadiano (como quem tem dificuldade de dormir e acordar cedo, por exemplo), ocasiões em que há ‘jet lag’ [problemas de adequação do sono após mudança de fuso horário], pessoas que fazem trabalho noturno e para casos de cegueira”, pontua a endocrinologista.
Há ainda, segundo a Anvisa, restrições de idade e certas condições físicas. A melatonina, segundo o órgão, está liberada apenas para pessoas com 19 anos ou mais, que não sejam gestantes ou lactantes e nem estejam envolvidas em atividades que requerem atenção constante. Pessoas com enfermidades e que já tomam algum medicamento, por sua vez, devem consultar um médico antes de tomar suplementos de melatonina.
Melatonina tem venda liberada, mas tem riscos
A médica adverte, porém, que apesar de benéfica em alguns casos e liberada para venda como suplemento alimentar, a melatonina não deve ser usada por conta própria. Isso se deve ao fato de que, além de possivelmente mascarar um diagnóstico importante de problemas que podem causar insônia (como depressão, hipertireoidismo, doença pulmonar obstrutiva crônica e até tumores cerebrais), o uso da melatonina sem uma boa orientação médica pode gerar problemas de saúde derivados do possível desequilíbrio do ritmo circadiano.
Ao tomar o hormônio em horários inadequados e esquecer-se de tomar em alguns dias, os padrões de sono da pessoa tendem a mudar, e isso reflete, segundo a médica, em funções importantes do corpo. “Isso pode piorar nossa sensibilidade à insulina e alterar nosso padrão de fome. Isso pode aumentar o risco de diabetes e obesidade”, pontua, ressaltando que, ao cogitar os suplementos de melatonina, é indicado consultar um especialista.