Transgênicos: sim ou não?

por | jun 30, 2016 | Alimentação

Quando a Terra ainda nem tinha certeza de que era redonda e vivia girando em torno do sol, o ser humano – que já era um agricultor razoavelmente experiente – começava a descobrir que algumas plantas, quando cultivadas em determinados solos com certos climas, se mostravam mais resistentes às pragas e com maior capacidade de produção. Um pouco depois, o homem percebeu também que essas plantas davam sementes ainda mais fortes, responsáveis por safras cada vez melhores. Assim, começou uma revolução na produção de alimentos que, depois dos explicamentos da genética e, finalmente, do surgimento da biotecnologia, chegou às mesas – de jantar e de discussão – com conotações partidárias e carregada de muita polêmica. Hoje, ao menos no interminável debate sobre o assunto, os transgênicos parecem querer mostrar a sua força multiplicando as colheitas de pano para manga no mundo inteiro.

O bafafá em torno da questão não tem mesmo nada de simples. De um lado, os defensores dos transgênicos argumentam que, dentro de trinta anos, seremos dois bilhões de pessoas a mais no planeta e que, como a produção agrícola não cresce na mesma proporção, os alimentos geneticamente transformados podem ser a solução do problema, além de contarem com a possibilidade de oferecer maior valor nutricional, com custos mais baixos. Já no time adversário, jogam os que acreditam que os “alimentos Frankenstein”, com tantos ajustes extras, acabam trazendo riscos à saúde de quem os consome, ao meio ambiente e até à sociedade. “Hoje, os principais entraves à questão dos transgênicos são os testes que detectaram que eles podem provocar alergia em certos organismos”, comenta a nutricionista Cintia Lopes. Ela lembra que a liberação indiscriminada desses produtos já trouxe problemas sérios para alguns países, como o Japão, onde, em 1989, milhares de pessoas adoeceram depois de consumirem um suplemento alimentar produzido a partir de uma bactéria geneticamente modificada. “Essa bactéria liberou uma substância altamente tóxica que só foi detectada quando o produto já estava sendo consumido”, acrescenta Cintia. Além disso, alguns biólogos e agrônomos garantem que, ao alterar o código genético de uma planta, o risco de provocar uma reação negativa em cadeia no ecossistema é muito grande. “Fala-se muito na hipótese de tornar uma planta tão resistente que leve ao fim de algumas espécies de organismos, importantes para a cadeia alimentar”, comenta a nutricionista.

Mas, enfim, acaba de ser concluída a primeira pesquisa consistente, que durou cerca de quatro anos, realizada com os transgênicos. O estudo foi encomendado pelo governo britânico para se certificar de que os tais alimentos realmente poderiam trazer algum prejuízo para a natureza e seus animais, incluindo o homem. O resultado, apesar de não ser o desejado até pelo próprio governo – já que o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, é simpatizante da tal agricultura mutante – mostrou que os alimentos transgênicos não devem realmente ser liberados para o consumo na Grã-Bretanha. A plantação de beterraba transgênica mostrou que a quantidade de borboletas, abelhas e sementes de ervas daninhas dos campos diminuiu. Na plantação de colza, a nossa canola, tanto a flora quanto a fauna locais também sofreram alterações. A única que se mostrou satisfatória em relação à biodiversidade foi a de milho transgênico, o que levou os cientistas a acreditarem que seriam necessários mais estudos para confirmar com segurança esse fenômeno. A única certeza por enquanto é de que a multinacional Monsanto, fabricante das sementes da discórdia, fechou suas portas na Europa.

Para o infectologista Vicente Amato Neto, entretanto, o medo dos transgênicos é exagerado pelo disparate de informações. Segundo o médico, pelo contrário, alimentos modificados podem garantir até a diminuição dos efeitos de problemas já efetivos de consumo e produção. “Por exemplo, o caso do gene que leva inseticida permite que se evitem muitas outras substâncias desse tipo, aplicadas nas mesmas plantas, o que diminuiria a exposição humana a elas”, comenta ele. A presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, Leila Oda, reconhece que, de fato, não existe risco zero. Mas ela reforça que isso não é exclusividade dos transgênicos. “Hoje, na Europa, questiona-se muito quais alimentos são seguros. O rebanho bovino, por exemplo, pode ser afetado pelo o mal da vaca louca, ou a carne suína e as aves podem conter supermicróbios devido ao uso indiscriminado de antibióticos misturados à ração desses animais. Frutas e verduras na Grã-Bretanha apresentaram resíduos de pesticidas superiores ao nível permitido e até o pão com alto teor de fibras pode conter resquícios de inseticidas acumulados nas capas exteriores dos grãos. Se não existissem riscos, não seria preciso criar a Lei de Biossegurança, nem a CTNBio. O importante é destacar que só produtos seguros irão para a prateleira dos supermercados”, garante ela. 

Entretanto, mesmo que ainda não existam estudos definitivos comprovando os tais efeitos negativos dos transgênicos, tanto para o meio ambiente, quanto para o consumidor, o Brasil e a maioria dos países do mundo são resistentes a eles. Isso não quer dizer, no entanto, que os alimentos geneticamente modificados estejam longe de nossos pratos e prateleiras. Apesar de a produção de matéria-prima transgênica ainda não estar liberada por aqui, a importação de produtos, como a soja transformada, é legalizada. Felizmente, um ponto crucial dessa celeuma vem sendo levado muito a sério: o direito de escolha do consumidor. Uma reunião realizada em Montreal no começo do ano, com representantes de 130 países, decidiu, apesar das críticas dos EUA – os principais defensores dos transgênicos – e das empresas de biotecnologia, que as embalagens de produtos fabricados com matéria prima geneticamente alterada devem ressaltar esse fato ao consumidor. No Brasil, as regras para isso já estão sendo definidas e, até o Natal, vamos ficar sabendo se o que comemos foi modificado ou não em laboratório. “Isso é fundamental, inclusive para evitar problemas como o da alergia e mesmo para que cada um tome os riscos para si e avalie os prós e os contras”, comenta a nutricionista Cíntia Lopes. Mas, vale lembrar que essa opção precisa ser bem informada. Exigir a continuidade das pesquisas e a ampla divulgação dos resultados é fundamental para que possamos participar das discussões sobre a liberação dos transgênicos. Afinal, saúde e informação nunca são demais.