Os novos anticoncepcionais > A boa e velha pílula

por | jun 30, 2016 | Alimentação

Inicialmente, devo dizer que, com base nos meus 26 anos de prática ginecológica, em termos de relação benefício/risco (aqui obviamente incluída a eficácia), o melhor método anticoncepcional disponível até hoje ainda é a velha “pílula”, ou seja, os anticoncepcionais hormonais orais. Estes produtos já têm 40 anos de uso, fazem parte do grupo de fármacos mais estudados até hoje, e os benefícios e a segurança contraceptiva do seu uso de muito suplantam, para a imensa maioria das mulheres, os excepcionais riscos e problemas que podem ocorrem. Deve-se também considerar que, ao longo dos últimos 25 anos, as doses hormonais utilizadas nos anticoncepcionais orais vêm sendo reduzidas, assim como novos hormônios sintéticos, com melhor tolerabilidade e menos efeitos colaterais, vêm sendo desenvolvidos e utilizados nos produtos mais recentes. Assim, a “pílula” está evoluindo constantemente.

Vejamos, por exemplo, a redução nos níveis do componente estrogênico das “pílulas” nos últimos 25 – 26 anos. Até 1974, a dose usual de etinilestradiol por comprimido era de 0,05mg (dose considerada um pouco excessiva para os padrões de segurança desejados). Neste mesmo ano, já se conseguiu reduzir com sucesso esta dose de etinilestradiol para 0,03mg por comprimido, mantendo a mesma eficácia com uma tolerabilidade excelente. Nos últimos anos, surgiu a mais nova geração de “pílulas”, nas quais o nível de etinilestradiol foi mais uma vez reduzido para 0,02mg por comprimido.

Todos os anticoncepcionais hormonais orais consistem em uma associação do já citado estrogênio sintético etinilestradiol com um dos diversos progestogênios (ou “progesteronas” sintéticas)existentes. Entre os progestogênios mais usados nas “pílulas”, destacam-se o levonorgestrel, a noretisterona, a ciproterona, o desogestrel e o gestodene. As “pílulas” de nova geração utilizam preferencialmente o desogestrel e o gestodene como progestogênios.

Os anticoncepcionais hormonais orais do tipo combinado exercem o seu efeito por três mecanismos: Primeiro, bloqueiam a função ovariana através de uma interferência no eixo hipotálamo-hipófise-ovários, inibindo desta forma o amadurecimento de folículos nos ovários e a ovulação – este é o seu principal mecanismo de ação; Segundo, produzem determinadas transformações no endométrio ( a mucosa que reveste o interior do útero) que, no caso de uma eventual falha no bloqueio da ovulação, dificultam a implantação do ovo fecundado; Terceiro, tornam o muco produzido pelo colo uterino bastante espesso, o que também dificulta a ascensão dos espermatozóides para o interior do útero após o coito. Assim, os anticoncepcionais hormonais orais apresentam um mecanismo contraceptivo principal (que é o bloqueio da função ovariana e da ovulação), e dois outros mecanismos complementares (que isoladamente não são tão seguros, mas que, associados ao bloqueio da ovulação, aumentam a eficácia contraceptiva total).

Dito isto, falemos então um pouco sobre os “novos métodos” (coloco entre aspas, pois alguns nem são tão novos assim):

Pílulas de Progestogênio (também conhecidas como “minipílulas”) – Na realidade, existem há mais de 20 anos. Por conterem apenas progestogênios e em mínimas doses, estes produtos não são capazes de bloquear a função ovariana nem a ovulação, não sendo, portanto, anovulatórios. Seus únicos mecanismos de ação contraceptiva são a indução das já citadas alterações endometriais que dificultam a implantação do ovo fecundado e o espessamento do muco cervical, que dificulta a subida dos espermatozóides para o interior do útero. Desta forma, a sua eficácia contraceptiva não é satisfatória. A única “vantagem” é que a mulher ingere uma quantidade muito menor de hormônios, além do fato de estes produtos não conterem o componente estrogênico. No momento, acaba de ser lançado um novo produto deste tipo, contendo apenas 75 microgramas de desogestrel por comprimido.

O laboratório afirma que a eficácia contraceptiva é comparável a das usuais “pílulas” combinadas, mas creio que ainda é muito cedo para dizer-se algo a respeito com segurança.

“Endoceptivos” – Também não chegam a ser nada novo. Os produtos chamados atualmente de “endoceptivos” nada mais são do que DIUs ( dispositivos intra-uterinos ) que possuem um sistema controlado de liberação intra-uterina de progestogênios sintéticos. Apresentam outras indicações além da contraceptiva, que é a principal. Apesar de o DIU ser um contraceptivo bastante eficaz, pessoalmente não uso nem indico – a não ser em casos muito especiais de mulheres que realmente não podem tomar os contraceptivos hormonais orais. Os principais problemas do DIU (de qualquer tipo) são: risco de perfuração uterina, aumento do sangramento menstrual, cólicas e uma maior freqüência de infecções pélvicas altas. Se houver uma falha no mecanismo contraceptivo (que no caso do DIU é apenas local), a incidência de gestação ectópica é maior.

Implantes Hormonais – O implante subcutâneo de dispositivos que promovem a liberação regulada dos hormônios contidos nos anticoncepcionais orais, em esquema obviamente contínuo e sem intervalos, é um método que “não pegou”. Nunca chegou a ser adotado na prática clínica. Na minha opinião, não há nada que justifique o seu uso. Obviamente, há quem pense diferente. Dependendo dos hormônios utilizados e das doses, seu mecanismo de ação é basicamente o mesmo dos contraceptivos hormonais orais.

Pílula Intravaginal – Sabe-se atualmente que a capacidade da vagina de permitir a absorção sistêmica de hormônios por aí administrados através de cápsulas intra-vaginais é muito grande. Porém, quanto à segurança contraceptiva de produtos administrados por esta via, acho que ainda é muito cedo para que se possa ter uma opinião. É assunto ainda muito novo.

Dr. Nelson Soucasaux é ginecologista, formado em 1974 pela Faculdade de Medicina da UFRJ