O tormento da enxaqueca – Ela chega de mansinho, mas faz um estrago danado na sua rotina

Ela chega de mansinho, bem de leve. Depois, vai aumentando progressivamente, até ficar tão insuportável que seu portador precisa ficar de repouso absoluto por algumas horas – até mesmo vários dias. Assim é a famosa dor causada pela enxaqueca, uma doença que ataca pessoas de qualquer idade, até mesmo crianças pequenas, impedindo a realização das mais banais tarefas do cotidiano. Segundo a Sociedade Brasileira de Cefaléia ( www.sbce.org.br), a luta contra as dores faz parte da rotina de 34 milhões de brasileiros. Destes, 24% chegam a ter mais de quatro crises por mês. Infelizmente, não existe cura para o problema, mas pelo menos é possível, graças a uma série de cuidados, manter as dores sob controle.

Segundo o médico Roberto German, titular da Academia Americana de Clínicos Gerais, ainda há muito mistério acerca da origem da enxaqueca. “Sabe-se que ela é hereditária e começa nas terminações nervosas da meninge, que é a membrana que envolve o cérebro. As dores são desencadeadas por alterações no circuito da dopamina, uma das substâncias que transmitem estímulos nervosos através dos neurônios”, afirma. As dores, que podem ser contínuas ou latejantes, ocorrem em episódios com duração de algumas horas ou até vários dias. Em geral, atacam apenas um lado da cabeça, mas há quem as sinta nos dois lados. O desconforto começa de forma lenta, porém progressiva, até chegar a um determinado grau de intensidade, que pode ser moderado ou forte. Em algumas pessoas, a dor é tão forte que é preciso ficar de repouso absoluto, pois não restam as mínimas condições para a realização das tarefas cotidianas.

Muitas pessoas relatam a presença de pontos luminosos e alterações da visão, enquanto outras sentem náuseas, desconforto na cabeça, pontadas atrás dos olhos, zumbido no ouvido, irritabilidade e dificuldade de concentração e raciocínio

A jornalista Luciana Simões, de 29 anos, é uma das vítimas dessas dores terríveis. “Tive de optar pelo trabalho de free-lancer justamente porque a enxaqueca me fazia faltar muito ao trabalho. Trabalhando por conta própria, eu posso ficar de repouso em casa quando as crises vêm. Elas são tão violentas que preciso ficar no quarto escuro, de olhos fechados, longe de tudo e de todos. A medicação ajuda a aliviar as dores, mas ainda não consegui me livrar totalmente delas”, conta.

Sinais de alerta

Enxaqueca não se resume somente a essas dores insuportáveis. Podem aparecer outros sintomas durante as crises, como enjôos, vômitos e intolerância à luz, ao barulho excessivo e a odores fortes. Há quem tenha esses incômodos antes mesmo do início das crises, como se fossem um sinal de alerta de que lá vem ela. “Muitas pessoas relatam a presença de pontos luminosos e alterações da visão, enquanto outras sentem náuseas, desconforto na cabeça, pontadas atrás dos olhos, zumbido no ouvido, irritabilidade e dificuldade de concentração e raciocínio. Porém, a maioria das pessoas não apresenta essas alterações, sofrendo com as dores quando elas menos esperam”, diz médico. Juliana Feres, estudante de 20 anos, diz já estar habituada à presença de pontos luminosos na visão. “Eles costumam ser o sinal mais evidente de que uma crise está próxima. Quando eles aparecem, adianto tudo o que tenho para fazer, pois já sei que vou perder um dia ou dois por causa das dores”, relata.

Por mais que ainda não se conheça exatamente o motivo pelo qual as crises acontecem, sabe-se que os episódios podem ser precipitados por uma porção de fatores, como ingestão de alguns tipos de alimentos, estresse físico ou emocional, trauma na cabeça, excesso ou falta de sono e até alterações hormonais. E, já que estamos falando de hormônios, vale saber que as mulheres são as maiores vítimas da enxaqueca, pois algumas situações envolvendo o estrogênio podem provocar as crises – especialmente no período menstrual e na gravidez. De acordo com o Dr. German, não é difícil encontrar quem se queixe das dores não só durante o uso da pílula anticoncepcional, mas também durante a menstruação. Na gestação, acontece um fato interessante: enquanto muitas mulheres passam a sentir dores nesse período, outras ficam livres delas – mas esse alívio, é claro, só dura alguns meses.

Criança também sofre

Pouca gente sabe, mas a criançada também pode apresentar enxaqueca. Mesmo que a intensidade e a duração das dores seja menor, os pequenos sofrem com sintomas iguaizinhos aos dos adultos. Enjôos, vômitos e fotofobia são bastante comuns. Como as crises são menores, uma boa soneca pode trazer bastante alívio. Medicamentos, nesta fase da vida, devem ser evitados, porém algumas crianças acabam precisando de tratamento. Mas os pais precisam ficar atentos: nem sempre as dores de cabeça fortes são enxaqueca. “Às vezes, a dor que a criança sente é provocada por problemas na visão; a cabeça dói porque ela faz força para ler. Assim, é interessante que os pais investiguem a origem da dor”, recomenda o Dr. German.

Muitas das dores da enxaqueca também podem estar relacionadas ao que se põe no prato. O cardápio de quem sofre da doença deve ser muito bem selecionado, já que existem alimentos que colaboram para o surgimento das crises. Café, chocolate, queijos amarelos, bebidas alcoólicas (especialmente o vinho tinto), frutas cítricas e oleaginosas costumam ser apontados como os maiores vilões. Mas os próprios hábitos de alimentação podem influenciar o aparecimento das crises: quem fica muito tempo sem comer costuma ter dores com mais freqüência. Por isso, além de evitar ao máximo ingerir os alimentos-vilões , é necessário fazer refeições de forma regular, evitando o jejum prolongado. Essa pequena atitude já é capaz de prevenir a maioria dos episódios.

Prevenir x remediar

Para combater a enxaqueca de forma eficiente, existem duas maneiras: prevenção antes das crises e ataque à dor com medicamentos específicos. O mais importante é o tratamento preventivo, pois ajuda a reduzir a incidência, a duração e a intensidade das crises. E, independentemente da freqüência dos episódios, os medicamentos precisam ser usados todos os dias. “Basicamente, a prevenção é feita com medicamentos anticonvulsivantes e beta-bloqueadores, que ajudam a inibir as crises. A utilização de ácido valpróico e enzimas também surte bons efeitos”, revela Dr. Roberto German, informando ainda que esse tipo de terapia é indicada para quem tem o dia-a-dia prejudicado pela doença.

O tratamento das crises, por sua vez, é feito para impedir que elas sejam muito longas ou intensas. “Medicamentos novos, à base de substâncias chamadas triptanos, têm obtido bastante sucesso nesse sentido. Eles agem rapidamente e permitem que a pessoa volte à rotina normal em poucas horas”, diz o Dr. German. Isso não impede que a dor volte, por isso é preciso usar o remédio com moderação. A respeito disso, o médico dá um importante alerta: o uso exagerado de analgésicos comuns pode provocar a cefaléia crônica diária.

Para quem não é muito chegado em medicamentos, existem alternativas. Uma delas é o biofeedback, uma técnica em que se aprende a controlar voluntariamente as funções fisiológicas, como a dor. Isso é feito com o auxílio de equipamentos que medem essas funções e informam ao paciente, por meio de imagens e sons, quais os valores obtidos. A partir daí, sob orientação de um terapeuta, o paciente pode alterar esses valores, aumentando-os ou diminuindo-os, conforme for sua vontade. Após várias sessões, o paciente já está condicionado, de forma que consegue controlar e até estabilizar a dor.

Quando a dor não pára

Uma péssima notícia para quem sofre de enxaqueca é que ela, com o tempo, pode se transformar em dor de cabeça crônica. Essa mudança pode acontecer de forma progressiva, por causa do uso regular e excessivo de determinados tipos de medicamentos, como analgésicos, antiinflamatórios, tranqüilizantes e os próprios remédios específicos para o tratamento da doença. No caso da enxaqueca, o uso do remédio por mais de duas vezes por semana já é considerado excessivo. Para se livrar da dor crônica, só mesmo suspendendo a medicação. Mas ela também pode aparecer subitamente, motivada por doenças da própria cabeça, traumatismos cranianos e abalos emocionais muito fortes. Depois que acontece essa mudança, a intensidade da dor fica mais leve e vários dos sintomas associados à enxaqueca desaparecem. Ainda assim, é importante consultar um clínico geral de confiança que, através de um minucioso exame, pode dizer se a dor crônica grave tem alguma outra causa.

O que fazer quando a dor chega?

Repouso, muito repouso. Durante as crises, é preciso relaxar e permanecer deitado em um lugar fresco e escuro, longe de qualquer tipo de ruído. Fazer compressas de gelo nas áreas doloridas também é uma ótima idéia para aliviar o desconforto. “Deve-se, também, evitar qualquer tipo de esforço ou praticar atividades físicas, pois isso agrava a dor. Sempre que as dores se tornarem incapacitantes e insuportáveis, é recomendável buscar orientação de um médico. Nada de tomar remédio por conta própria”, finaliza o Dr. German.