Fitoterapia não é água com açúcar

por | jun 30, 2016 | Alimentação

Canja de galinha e prudência nunca fizeram mal a ninguém. Por estas e outras observações dos príncipios salutares é que muita gente resolve debandar para o campo da medicina alternativa. Esgotamento físico e mental, má digestão, dor de cabeça e até mesmo angina encontram na fitoterapia uma nova opção de tratamento, que dispensa o uso das temidas substâncias sintéticas. Mas nem tudo são flores nos compostos feitos à base de planta: o consumo indiscriminado e sem prescrição médica pode ser tão nocivo quanto o de qualquer medicação de tarja preta.

Solucionar os males do corpo com tudo o que a natureza colocou no mundo a nosso dispor pode parecer perfeito. E por acreditar nisso é que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% da população mundial faz uso de algum medicamento fitoterápico. O clínico geral e fitoterapeuta Antônio Carlos Seixlack explica que a vantagem da fitoterapia é a de tratar de uma forma mais natural e menos agressiva ao organismo. “A maioria das plantas utilizadas são da flora brasileira e da milenar medicina chinesa. O tratamento à base da fitoterapia é menos tóxico, tem menos efeitos colaterais e traz ótimos resultados”, afirma o fitoterapeuta.

No entanto, o tratamento à base de plantas não é tão simples como se parece e se compra – afinal, qualquer mercadinho que faz a linha natureba tem sempre algo do gênero que casa bem com o seu problema. “Não é por ser natural que não faz mal. O que acontece é que as pessoas acham que como é planta não vai trazer problema nenhum, isso é um erro. Existem uma série de drogas, ditas naturais, que podem causar efeitos colaterais e até lesões hepáticas, renais e cardíacas”, revela a clínica geral Valentina Van Boekel.

O médico homeopata Jorge Frederico Fortes explica também que a fitoterapia trabalha com o efeito primário das plantas, o que significa que a toxidade delas não é eliminada. “A pessoa não deve usar um medicamento fitoterápico indiscriminadamente e sem orientação médica justamente por isso. Outra questão preocupante é a dosagem e a concentração. O guaraná, por exemplo, contém uma concentração alta de cafeína que pode agravar um problema gástrico. Já o ginseng, também muito consumido, pode acabar até causando um desequilíbrio hormonal”, comenta o homeopata. Outro alerta em relação ao popular guaraná em pó é dado pelo cardiologista e clínico geral Adolfo Alexandre Farah Aguiar. “Muitas vezes a pessoa toma o guaraná em pó, que é estimulante, e acaba mascarando um sintoma de cansaço e esgotamento talvez proveniente de outro quadro, que não é apenas um cansaço passageiro. Ou seja: a causa não está sendo tratada, e quando passar o efeito do guaraná os sintomas vão voltar”, revela Adolfo Aguiar.

A venda sem prescrição médica desses produtos é apontada também como um convite à equivocada automedicação. “No Brasil, já existe a cultura da automedicação até dos medicamentos alopáticos, que deveriam ser vendidos com receitas. E como os fitoterápicos são vendidos em todo o mundo sem prescrição médica, a coisa fica ainda mais perigosa”, acredita Valentina Van Boekel. O fitoterapeuta Antônio Carlos Seixlack concorda que a venda sem controle dos medicamentos fitoterápicos é realmente incorreta. “Os fitoterápicos são medicamentos à base de plantas como tantos alopáticos e, como tal, contêm príncipios ativos que geram ações farmacológicas no organismo”, alerta o fitoterapeuta.

Portanto, para se medicar com um fitoterápico é preciso proceder da mesma forma que a alopatia: consultando um médico especializado. No consultório, a pessoa é submetida a uma anamnese e a exames clínicos para saber se seu caso pode ser tratado mesmo com fitoterápicos. “Existem certos quadros que a solução só pode ser a alopatia. Eu não posso indicar um fitoterápico para quem tem uma infecção, primeiro o antibiótico deve ser ministrado, depois é que se passa para a fitoterapia, que vai ter um caráter preventivo de uma nova infecção”, revela Antônio Carlos Seixlack.

Essa confusão toda em torno dos produtos feitos de plantas, em parte, é atribuída às autoridades competentes que não legalizam a maioria desses produtos como medicamentos, mas sim como suplementos. Adriana Henermann, famacêutica da Herbarium, diz que os produtos fitoterápicos devem seguir as mesmas especificações e controles de todos os outros medicamentos. “É importante a pessoa saber a procedência do que se está consumindo, saber qual o laboratório que fabrica o produto. A fitoterapia ainda é algo muito da cultura popular e muitos laboratórios, por não existir o devido controle, são de fundo de quintal. Isso pode ser perigoso, pois errar numa dosagem de substância ou numa mistura de plantas pode levar a sérias reações”, adverte Adriana Henermann.

Alguns produtos da fitoterapia já conquistaram a confiança e o reconhecimento por parte de muitos médicos de outras áreas, pelo fato de já existirem estudos consistentes a seu respeito. Como é o caso dos fitormônios e da ginko biloba. “Os fitormônios são infinitamente melhores do que os hormônios sintéticos, mas como estes, eles também podem dar reações. A indicação de um especialista é fundamental, ninguém pode sair comprando e tomando os fitormônios por conta própria”, diz o médico homeopata Jorge Frederico Fortes. “É comprovado científicamente que a ginko biloba é um excelente vasodilatador cerebral. Muito médicos alopatas já estão a prescrevendo pelos seus resultados em casos de mal de Alzheimer e de perda de memória”, revela o fitoterapeuta Antônio Carlos Seixlack. Portanto, mais importante do que a linha que você vai seguir é sempre andar corretamente dentro dela.