Por que algumas pessoas têm câncer tantas vezes, como Susana Naspolini e Ana Maria Braga?

Durante os últimos meses, o público acompanhou a luta de Susana Naspolini contra o câncer, mas esta não foi a única vez que a repórter lidou com a doença. Desde os 18 anos, ela tem cânceres recorrentes – assim como a apresentadora Ana Maria Braga, que já teve a doença em diversos órgãos do corpo.

Como Naspolini e Ana Maria: por que algumas pessoas têm tantos cânceres?

Difíceis para quem vive, estas situações tendem a impressionar, especialmente pelo fato de que nem sempre o novo câncer é uma recidiva do anterior – mas, a Tá Saudável, o oncologista Bernardo Garicochea, do grupo Oncoclínicas, explica que há uma série de fatores que explicam casos como estes.

Após ter um linfoma de Hodgkin aos 18 anos de idade, um câncer de tireóide e outro de mama, a repórter Susana Naspolini enfrentou ainda um tumor na bacia, que, infelizmente, se espalhou para outros órgãos (como fígado e medula óssea), levando a repórter à morte em outubro de 2022.

Ana Maria teve cânceres colorretal, de mama, de pulmão e de pele, enquanto Susana teve a doença na mama, na tireoide, na bacia e um linfoma de Hodgkin
Mauricio Fidalgo/João Cotta/Globo

Susana, no entanto, não é a única pessoa pública a ter enfrentado a doença diversas vezes. A apresentadora Ana Maria Braga, por exemplo, sempre foi sincera quanto aos diagnósticos recebidos ao longo da vida, e eles incluem câncer colorretal, de mama, de pele e de pulmão.

Por se tratar uma doença intimidadora e pelos diagnósticos não estarem necessariamente ligados uns aos outros, casos como os de Susana Naspolini e Ana Maria são vistos com surpresa e apreensão – e, conforme explica Bernardo Garicochea, médico oncologista da Oncoclínicas, há tanto explicações quanto formas de manter situações assim no radar.

Genética

De acordo com o especialista, uma das razões que podem levar a casos como os das apresentadoras é o fator genético; alguns genes, quando defeituosos, podem aumentar os riscos de se desenvolver certos cânceres.

“Pode ter nascido com uma mutação genética recebida do pai ou da mãe e que poderia fazer com que houvesse uma predisposição, isso dependendo do gene herdado. Então, temos um padrão de cânceres que podem acontecer com uma frequência maior”, diz o médico.

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Ele pontua ainda que, por genética, às vezes uma doença em si pode gerar cânceres. É o caso, por exemplo, da síndrome de Cowden, doença hereditária que causa problemas de pele, câncer de mama e de tireoide, e que pode ser o motivo pelo qual uma pessoa tem estes dois tipos de câncer ao longo da vida.

Por genes serem transmitidos de pais aos filhos, é comum que pessoas cujos pais tiveram câncer também venham a desenvolver a doença – e, quando ele aparece de maneira repetitiva em alguém, é possível que os descendentes desta pessoa também estejam propensos a ter quadros de repetição.

Câncer como consequência do tratamento de outro câncer

Além do fator genético, Garicochea afirma também que o próprio tratamento de um câncer, dependendo de qual for o protocolo utilizado, aumenta as chances de se desenvolver outro.

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“Por exemplo: a pessoa teve um linfoma muito jovem e tratou com radioterapia em altas doses, como se fazia antigamente. Nesse caso, essa paciente tem um aumento de até 35 vezes nos riscos de câncer de mama. A gente sabe também que pacientes que recebem quimioterapia têm um pouco de aumento no risco de ter outros tipos de doenças malignas, como as hematológicas”, pontua.

Ele frisa, porém, que isso não invalida os tratamentos, apenas é algo a se pensar no momento de definir o protocolo utilizado. “Ninguém pesa esse risco durante o tratamento porque ele é algo necessário, mas isso, hoje em dia, tem sido levado cada vez mais em conta”, comenta o oncologista.

Fatores sociais

De acordo com o médico, até os locais onde as pessoas vivem devem ser levados em conta ao analisar casos de câncer de repetição. Isso porque a cultura em que se está inserido pode “ditar”, por exemplo, o quão aceito é o consumo exagerado de drogas e cigarro, fazendo com que o risco de tumores relacionados a estas substâncias aumente ou diminua em determinadas regiões.

Cigarro
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“Observamos, por exemplo, que há uma incidência muito maior nos próximos anos de cânceres associados ao tabaco – e, em sociedades que são muito restritas a isso, vemos menos. Já nas sociedades que são mais restritas ao álcool por questões religiosas, por exemplo, teremos um número muito menor de hepatocarcinoma e câncer de pâncreas do que sociedades que são mais tolerantes a isso”, reflete o médico.

Fatores ambientais

É preciso ainda considerar fatores ambientais relacionados a casos de câncer. “Sabemos que indivíduos expostos a muitos alimentos contaminados, a dietas com baixa nutrição calórica e proteica, terão risco aumentado para cânceres de diversos tipos”, afirma ele, apontando situações em que o fator ambiental nem sequer pode ser identificado.

“Por muito tempo, soubemos que pacientes do Japão tinham excesso de câncer de estômago, mas, quando as pessoas se mudavam para o Havaí, por exemplo, já a primeira geração nascida fora do Japão tinha a tendência revertida – ou seja, tinham menos câncer de estômago. Isso indica um fator ambiental, talvez alimentar, que pode aumentar o risco”, afirma.

Radioatividade e altas taxas de poluição do ar, por exemplo, são outros fatores ambientais que facilitam o surgimento de alguns tipos de câncer.

Poluição do ar
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Combinação de fatores

Vale mencionar, inclusive, que apesar destes fatores poderem afetar isoladamente a saúde de uma pessoa, é possível também que eles se combinem. Alguém que vive em um local em que o uso de cigarro é menos restrito, tem predisposição genética e já fez tratamento com altas doses de radioterapia, por exemplo, tem risco aumentado para mais de um tipo da doença.

Como identificar a predisposição e prevenir o câncer

Em boa parte das vezes, fatores ambientais e sociais podem ser identificados e devidamente evitados. É possível, por exemplo, controlar o consumo de álcool, deixar de lado o tabagismo, praticar atividades físicas regularmente, buscar uma alimentação equilibrada, entre outras questões que ajudam a prevenir o câncer.

Além disso, Garicochea afirma que, quando há histórico familiar de pessoas com muitos casos de câncer (especialmente de repetição ou de tipos raros), é interessante realizar exames de DNA que mapeiam os riscos de desenvolver certos tumores – algo que, apesar de gerar apreensão dependendo do resultado, facilita não só a identificação de doenças mais rapidamente, mas a prevenção delas.

El nuevo descubrimiento apunta a que la capacidad de los cánceres para hacer metástasis depende de su capacidad para cooptar las vías naturales de reparación de heridas, lo que abre una vía para su posible tratamiento.
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“É um exame de DNA feito com sangue ou saliva. Um número determinado de genes é estudado e os dados do DNA da pessoa são interpretados à luz da história dela. Alterações genéticas que são encontradas, são confirmadas ou confrontadas com dados apresentados, como câncer de mama muito jovem, de tireoide, o tipo de câncer do pai, para estabelecer uma relação de causa e efeito”, pontua.

Isso, segundo ele, é um dos primeiros passos para que se possa traçar um plano contra o câncer. “Nesse tipo de situação, temos muitas intervenções médicas que podem ser feitas para ajudar o paciente, e elas são muito eficazes”, diz ele, frisando que exames como os citados são uma ferramenta poderosa tanto para pacientes quanto para médicos.

“Nós conseguimos fazer uma prevenção e, nos casos em que não é possível fazer prevenção, a gente consegue fazer uma detecção muito inicial dessas doenças, de forma a haver impacto na mortalidade e até na intensidade do tratamento. O sofrimento durante o tratamento diminui muito, pois conseguimos identificar esses tumores em etapas muito iniciais quando e se aparecerem”, conclui.

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