Por que Anvisa proibe propaganda da gestrinona, hormônio do “chip” contraceptivo?

Em meio à febre do uso de implantes hormonais contraceptivos por mulheres, há uma polêmica que fez inclusive a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibir a propaganda de produtos que contêm a substância sintética gestrinona. Isso porque, apesar de ela ter, sim, fins medicinais, vem sendo usada nestes implantes para fins estéticos – e tudo isso sem ter, segundo o órgão, registro e liberação para tal.

Anvisa proíbe propagandas de itens com gestrinona

Em dezembro de 2021, após um posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) contra o vasto uso de implantes hormonais conhecidos como “ chip da beleza”, a Anvisa publicou uma resolução na qual proíbe propagandas a respeito de qualquer produto contendo a substância gestrinona, amplamente utilizada nestes dispositivos médicos por melhorar o ganho de massa magra e potencializar a queima de gordura.

De acordo com o Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade (DEFAT), o que motivou o posicionamento foi o fato de que médicos estão, cada vez mais, recebendo pacientes que sofrem com efeitos adversos dos implantes compostos pela substância.

Concordando com as evidências apresentadas, a Anvisa então se pronunciou trazendo mais tópicos alarmantes à tona: segundo a agência, não existe nenhum produto com gestrinona que seja regulamentado.

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“Não há medicamentos contendo o insumo farmacêutico ativo gestrinona com registro sanitário válido no Brasil. Tampouco constam em seu banco de dados pedidos de registro aguardando análise ou em avaliação pela área técnica”, afirma a nota da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED, órgão da Anvisa) referente ao esteroide.

Segundo a SBEM, a gestrinona não é uma opção terapêutica recomendada por nenhuma das principais entidades de endocrinologia do mundo – e agora, após as novas restrições da Anvisa, a substância não pode mais ser divulgada por empresas, pela mídia ou por médicos, seja em forma de compostos industrializados ou manipulados.

Gestrinona: para que serve

De acordo com Dolores Pardini, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional de São Paulo (SBEM-SP), apesar de a gestrinona estar presente em implantes contraceptivos que a combinam com outros ativos, ela não é reconhecida como um. Enquanto a substância tem, sim, propriedades que agem sobre o ciclo menstrual, não há indicação para que seja usada de forma a evitar a gravidez.

“Ela é um hormônio esteroide que bloqueia estrógeno, progesterona. A mulher acaba não ovulando e tendo certo efeito de contracepção, mas esse efeito não está validado, pelo menos no Brasil”, diz Dolores, lembrando que há, porém, uma indicação formal para o uso do hormônio. “A gestrinona existe nas farmácias, em produtos industrializados, mas com outra indicação: tratamento de endometriose”, pontua.

Não é, no entanto, para estes fins que a gestrinona tem sido tão amplamente usada. Análoga à testosterona, ela tem como alguns de seus efeitos colaterais o favorecimento do ganho de massa magra, bem como da perda de gordura e melhora no aspecto da celulite. Isso, por sua vez, motiva o uso da gestrinona para fins estéticos – algo que não é nem liberado pelas agências reguladoras, nem recomendado devido a possíveis riscos à saúde.

Gestrinona é segura?

Segundo Dolores, implantes contendo gestrinona são certamente os mais usados e divulgados quando o objetivo desejado é estético – e o problema disso mora nos riscos do uso deste hormônio em doses suprafisiológicas (ou seja, elevadas). Conforme explica a médica, apesar dos efeitos mais conhecidos serem aquele tidos como “benéficos”, eles não são os únicos.

“Como a gestrinona é um derivado do hormônio masculino e tem o mesmo radical da testosterona, há efeitos virilizantes na mulher. Ela fica com rouquidão, a voz fica mais grossa, ela pode ter acne, aumento de pelos, irregularidade menstrual, clitorimegalia [aumento do clitóris], recesso frontal no cabelo – as famosas entradas”, lista a médica, frisando que os efeitos “silenciosos” e invisíveis à paciente são ainda piores.

“Isso é o que a paciente percebe, fora o que está acontecendo metabolicamente: o aumento do colesterol, aumento do risco cardiovascular, aumento da predisposição a diabetes”, afirma Dolores, ressaltando que, assim como descrito na nota da GGMED, o amplo uso destes implantes para fins estéticos “representa um risco à saúde pública” devido à ausência de regulamentação e comprovação de segurança.