A química Amanda da Silva Santos Pinto, do Rio de Janeiro (RJ), descobriu o câncer de mama aos 34 anos. Nos últimos dias de licença-maternidade, ela sentiu fortes dores na coluna e na perna, que a incapacitaram de dirigir. Ao consultar um ortopedista, recebeu a notícia de que tinha duas vértebras quebradas.
A jovem não havia sofrido acidentes ou colisões que justificassem as fraturas, o que levou os médicos a uma longa investigação que constatou câncer de mama com metástase para os ossos. A doença não tem cura, mas seu progresso pode ser interrompido por meio de terapias de controle.
A notícia surpreendeu, já que Amanda não tinha casos de câncer na família, não apresentou alterações nos seios e não fazia parte da idade de risco para o rastreamento com mamografia. Apesar de médicos dizerem que teria pouco mais de 50 meses de vida, a química está há mais de quatro anos em tratamento para controlar o tumor, que felizmente não se propagou desde que foi descoberto.
Assim como Amanda, há milhares de outras mulheres na mesma condição, mas é raro ouvir falar delas. Isso porque, mesmo em campanhas famosas como Outubro Rosa, a paciente com metástase é pouco abordada.
A falha na atenção e apoio à mulher que enfrenta este tipo tão delicado de câncer motivou a criação de um evento especial, cuja maior finalidade é a troca de apoio e esperança entre pacientes.
Assim, surgiu o Encontro de Pacientes com Câncer de Mama Metastático, que realiza sua quinta edição em 2017. A seguir, entenda como a fraternidade entre as pacientes as ajuda a lidar com a doença.

Câncer de mama metastático não é sentença de morte
O câncer de mama é caracterizado por um aumento anormal das células do seio. Na maior parte dos casos, se manifesta por alterações como nódulos, avermelhamento, depressões na pele, anormalidades nos mamilos e saída de secreção.
Esses sinais costumam ser percebidos pelo autoexame e exame clínico, mas há casos em que não se manifestam de forma tão visível, o que explica a necessidade de um rastreamento anual com mamografia em mulheres a partir de 40 anos.
O maior temor enfrentado por quem apresenta a doença é a metástase, que é o processo em que o câncer se espalha para outras partes do corpo além do local em que começou.
Segundo a psicóloga Luciana Holtz, especialista em oncologia e fundadora do Instituto Oncoguia – cuja iniciativa mais famosa é o site que reúne informações confiáveis e humanizadas sobre câncer –, a ideia de que a metástase é uma sentença de morte não é verdadeira.
“Ela não tem cura, mas é possível administrar com o tratamento constante e ter qualidade de vida. Já a expectativa de vida depende de diversos fatores, mas a gente vê que essas mulheres estão vivendo cada vez mais tempo. Há casos de algumas que vivem há oito, 10 anos com as terapias”, ressalta.
“Outubro Rosa não me representa”

Segundo Luciana, desde que o Instituto Oncoguia foi criado, as pacientes com câncer de mama metastático se posicionavam dizendo que não se sentiam incluídas na campanha Outubro Rosa, visto que a iniciativa tem como foco a prevenção, diagnóstico precoce e cura da condição.
“Antes, eu não tinha voz, porque só ouvia falar de cura, autoestima e mastectomia. Mas, para mim, e para quem tem metástase, o importante é saber se vou sentir dor, se vou ver meu filho normalmente, se vou ter de fazer quimioterapia para o resto da vida. As questões são diferentes”, exemplifica Amanda.
A professora de Belém (PA) Vanessa Costa, que descobriu o câncer aos 35 anos, partilha da mesma opinião: “Dizem que é o mês ‘da luta contra o câncer’, mas eu não escolhi lutar com ninguém, eu não estou em guerra, eu estou vivenciando o câncer. Então, eu acho que o foco deveria ser na informação.”
Encontro de Pacientes com Câncer de Mama Metastático

Pensando nisso, Luciana e um grupo de parceiras do Oncoguia se uniram para fundar o Encontro de Pacientes com Câncer de Mama Metastático, um evento de cunho educativo e inspiracional.
O evento acolhe mulheres com o objetivo de levar informações sobre todas as esferas do câncer com metástase, visando empoderá-las e fortalecê-las.
“Com o grupo de câncer de mama metastático, eu sinto que minhas dores, anseios e dúvidas são acolhidas e entendidas. Hoje, o Outubro Rosa faz sentido para mim”, afirma Amanda, que é uma das fundadoras.

Na programação, há palestras e rodas de conversas com diversos especialistas, como oncologistas, psicólogos, advogados e enfermeiros, além de depoimentos das próprias pacientes.
Diversos assuntos são tratados, como os diferentes tipos de câncer de mama, dores, como ter qualidade de vida, novas opções de tratamentos, como lidar emocionalmente com a condição, políticas públicas, direitos sociais, cuidados paliativos, alimentação, depressão, como ser um paciente ativo e responsável, entre outros.
Também são realizadas oficinas recreativas, como as de lenços e autoestima.
Ainda por cima, é permitida a participação de familiares e amigos do paciente com câncer, que contam com uma programação voltada a como lidar e apoiar o ente que apresenta o acometimento.
“Foi iluminador na minha vida”
Tal acolhimento também fez diferença na vida de Vanessa. Na época em que recebeu a notícia do câncer, ela amamentava e notou enrijecimento em um dos seios.
Por intuição, deixou seu leite secar e viu uma transformação preocupante: “O bico do seio retraiu totalmente e houve um afundamento na lateral da mama”, conta.
Após o diagnóstico, Vanessa se submeteu a uma cirurgia que retirou sua mama direita, juntamente com o tumor de sete centímetros. Como seu câncer tinha desenvolvimento ligado aos hormônios, também teve de retirar útero e ovários.

Quase três anos depois, com o tumor em remissão e apenas realizando exames de controle, Vanessa apresentou metástase no fígado, ossos, pulmão e linfonodos cervicais.
“Isso abalou muito o meu psicológico. Comecei a me culpar, pensando: ‘Eu fiz todo o tratamento direitinho, a quimio, a rádio… onde foi que eu errei para aparecer uma metástase agora?’”, relembra.
Após o diagnóstico, Vanessa participou do Encontro para Pacientes com Câncer de Mama Metastático e afirma que foi um divisor de águas em sua vida.
“Foram abordadas questões sobre qualidade de vida, apoio e muitas outras. Foi iluminador na minha vida. É um encontro tão cheio de cuidados que você se sente acolhida desde que começa a divulgação”, afirma.
União entre mulheres

Um dos maiores benefícios do encontro é a integração entre as pacientes. “Se posso tirar coisas boas do câncer, uma delas é ter mais tempo para meus filhos e outra é conhecer pessoas incríveis e que estão passando a mesma coisa que eu”, ressalta Vanessa.
Ela ainda explica que, por mais que tenha apoio da família, eles nunca vão saber de fato como ela se sente. “Quando se está com pessoas na mesma condição, elas vão te compreender melhor. Poder compartilhar meus medos e angústias é muito importante para mim”, afirma.
Agentes do + vida

O apoio às pacientes não para por aí: o Instituto Oncoguia também criou a Rede + Vida, que visa conectar mulheres com câncer de mama e a ampará-las emocionalmente, além de propagar informações confiáveis sobre o assunto.
Amanda e Vanessa se empenham tanto na causa que hoje se dividem entre aproveitar a companhia dos filhos, fazer seus tratamentos e atuar como agentes da instituição.
Todos os dias, elas entram em contato com outras pacientes com tumor na mama com metástase e conversam sobre sua rotina, tratamento e sentimentos, além de aconselhá-las quanto às principais dúvidas.
A conexão costuma ser virtual, mas quando há a possibilidade, pode haver encontros pessoais. “Faço contato com muitas meninas que têm metástase e, assim, criamos um vínculo em que uma cuida da outra. Isso dá um conforto muito grande”, afirma Vanessa.
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