Como funcionam os transplantes no Brasil? Por que alguns conseguem órgãos tão rapidamente?

Entenda se é possível pagar para adiantar um transplante de órgãos, como funciona a espera e por que tantos morrem aguarando um novo órgão

Em agosto de 2023, o apresentador Fausto Silva, o Faustão, passou por dois transplantes de órgãos. Na época, ele recebeu rim e coração novos – e, em 2025, passou por mais dois transplantes, desta vez de rim e fígado. Ainda que muitos vibrem pela conquista do apresentador, a situação gera dúvidas: afinal, por que algumas pessoas conseguem órgãos tão rapidamente e outras aguardam por anos?

Entenda abaixo como funciona o sistema de transplante de órgãos no Brasil, bem como a lista de espera (que não é uma fila em ordem de chegada, como muitos imaginam ser) e veja as respostas para as principais dúvidas sobre esse assunto.

Transplante de órgãos no Brasil: dados, passo a passo e mais

transplante de órgãos
(Crédito: Freepik)

Histórias de pessoas que aguardam um novo órgão há anos ou que até morreram durante a espera são comuns de se ouvir. Os dados sobre transplantes no Brasil nos últimos anos, apesar disso, são animadores: em 2024, o País bateu um recorde histórico de órgãos transplantados pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. Somente nesse ano, foram realizados mais de 30 mil transplantes, representando crescimento de 18% desde 2022.

Além disso, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) também está em constante atualização. Em meio a esse processo, ele passou a oferecer novos tipos de transplantes nos últimos anos, como o de intestino delgado, o multivisceral e o uso de membrana amniótica para tratar queimaduras. Tudo isso em meio à capacitação de mais profissionais que trabalham junto a famílias para incentivar a doação de órgãos.

Atualmente, 78 mil pessoas aguardam um novo órgão. Em 2024, os mais demandados eram rim, córnea e fígado – que também entram na lista dos mais transplantados durante o ano, junto da medula óssea. O Brasil é o segundo país que mais realiza transplante de órgãos no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Além disso, ele é o único que realiza essa quantidade de transplantes dentro de um sistema de saúde totalmente gratuito.

Como acontece um transplante de órgão

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(Crédito: Freepik)

Muitas pessoas duvidam, mas os transplantes de órgãos no Brasil seguem critérios rigorosos que não têm relação com o poder aquisitivo de quem recebe esses órgãos. O processo é coordenado pelo SNT, instituição ligada ao Ministério da Saúde, e ele considera critérios que vão muito além da data em que a pessoa entrou na espera por um novo órgão.

O processo começa quando um médico identifica a necessidade do transplante, algo que acontece a partir da falência desse órgão. A partir da constatação, o especialista faz o encaminhamento do paciente a um centro de transplante autorizado pelo SNT. Lá, o paciente passa por uma avaliação clínica e psicológica completa, que verifica fatores como:

  • Condições de saúde gerais para o transplante;
  • Riscos do procedimento;
  • Adesão ao tratamento após o transplante.

A partir desses critérios, o paciente é classificado ou não como apto para o procedimento. Nesse momento ele passa a estar oficialmente inscrito na lista única nacional. Ao contrário do que muitos pensam, essa lista não funciona por ordem de “chegada”, mas sim por critérios que fazem a distribuição de órgãos ser dinâmica, simultânea e, muitas vezes, mal interpretada.

Ela se baseia em critérios como:

  • Urgência médica (condição de saúde do paciente com relação especialmente à sobrevivência sem o transplante);
  • Compatibilidade sanguínea e genética;
  • Tempo na lista;
  • Distância entre o doador e o receptor (devido ao risco do órgão se tornar inutilizável no processo);
  • Tamanho corporal compatível.

Nos transplantes de fígado e coração – dois dos feitos por Faustão –, por exemplo, pacientes em estado gravíssimo podem ser classificados como a maior prioridade da lista, recebendo o órgão quase imediatamente mesmo que estejam na lista há pouco tempo. Em contrapartida, algumas pessoas têm condições de sobreviver mais tempo sem o transplante, algo que diminui o nível de prioridade delas na lista.

Essa espera, portanto, pode ser longa ou curta. Tudo depende da combinação dos fatores já citados. Enquanto aguarda, o paciente é monitorado periodicamente e pode ter sua prioridade atualizada diante da evolução da condição.

É preciso frisar que, segundo o próprio SNT, a distribuição dos órgãos segue regras técnicas e éticas muto rígidas, e não existe favorecimento pessoal ou político. O que pode acontecer é que famosos eventualmente viram notícia ao realizar procedimentos assim, enquanto transplantes feitos por pessoas anônimas não são noticiados.

Por que algumas pessoas conseguem órgãos tão rapidamente?

(Crédito: Divulgação/Globo)

O caso de Faustão recebeu muita atenção e, também, críticas. Afinal, como o apresentador conseguiu um novo coração tão rapidamente após entrar na lista? A resposta está nos critérios do SNT. O apresentador estava em estado gravíssimo, com insuficiência cardíaca terminal e dependente de suporte mecânico.

Em um caso assim, ele não sobreviveria por muito tempo sem o transplante, muito menos fora do hospital. Segundo a Central de Transplantes do Estado de São Paulo, ele ocupava o primeiro lugar justamente pela condição de saúde, e não pela condição financeira. O apresentador recebeu o órgão rapidamente, então, por ter felizmente se enquadrado em critérios de compatibilidade à medida que um coração foi doado naquele momento.

Por que algumas pessoas aguardam transplante de órgãos por tanto tempo?

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(Crédito: Anna Shvets/Pexels)

A resposta para esta pergunta também está nos critérios. Uma pessoa que está há cinco anos aguardando um rim, por exemplo, pode estar esperando há tanto tempo por incompatibilidade com os órgãos doados nesse período. Além disso, ela pode estar estável com diálise diária, enquanto outros pacientes têm prioridade por apresentar um quadro mais urgente.

Foi assim que Faustão, após a realização do primeiro transplante de rim – que não funcionou –, teve de aguardar para conseguir um novo órgão. Ele passou pelo retransplante um ano após o primeiro e, enquanto aguardava, milhares de outras pessoas receberam rins antes dele.

Por que tantas pessoas morrem aguardando um transplante de órgãos?

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(Crédito: gpointstudio/Freepik)

Segundo dados recentes do Ministério da Saúde, 8 a cada 10 pessoas morrem por dia à espera de um novo órgão. A justificativa, segundo eles, está na baixa oferta de órgãos. Mesmo que a pessoa esteja em situação de urgência, ela ainda precisa ser compatível com os órgãos ofertados – que são poucos em comparação com a demanda.

Além disso, alguns órgãos são mais difíceis de se transplantar. O SNT aponta, por exemplo, que os transplantes de pulmões e pâncreas, por exemplo, têm alta complexidade cirúrgica, “duram pouco” após a retirada do doador e tem pouquíssima disponibilidade de doadores ideais, com órgãos viáveis de se transplantar. Além disso, transplantes de intestino e multiviscerais também são bem raros.

Já os transplantes de rins são bastante comuns, mas a lista de espera é maior devido ao fato de que insuficiência renal é um problema frequente. Por isso, o número de candidatos é muito elevado – e, diante de uma oferta baixa, que não se equipara à demanda, é possível haver mortes.

Existe transplante de órgãos por via particular?

(Crédito: Divulgação/Globo)

No Brasil, é possível fazer a cirurgia, a internação e o acompanhamento de um transplante pela rede privada. Ainda assim, o processo de espera pelo órgão e a distribuição dele só pode ser realizada e regulamentada pelo SNT. Isso significa que não é possível pagar para receber prioridade na lista de espera por um transplante de órgãos.

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