Por que a sífilis se tornou uma epidemia? Doença silenciosa cresceu 5.000%

“Dividir para conquistar”, se houvesse um lema da bactéria da sífilis, certamente seria esse. O motivo é simples: primeiro, ela gera sintomas inespecíficos, suficientes para o infectado achar que teve apenas uma alergia passageira e continuar transmitindo a doença. Após meses, surgem manchas na pele, atribuídas à alergia novamente. Por fim, as bactérias dão o golpe final: sequelas graves e até morte.

É justamente essa falta de conhecimento e prevenção que causou a atual epidemia de sífilis, já admitida pelo Ministério da Saúde: de 2010 a 2015, houve aumento de mais de 5.000% dos casos de sífilis adquirida no Brasil.

A seguir, entenda porque chegamos a esse ponto e o que deve ser feito para reverter a situação. 

O que é a sífilis?

Também chamada de cancro mole, a sífilis é uma doença sexualmente transmissível (DST) caracterizada pela infecção da bactéria Treponema pallidum. 

De acordo com o infectologista Eduardo Alexandrino Servolo de Medeiros, presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, a falta de cuidado com a condição leva a complicações graves, como comprometimento do sistema nervoso e malformação fetal.

História da doença

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Não se sabe ao certo a origem da infecção. Algumas teorias apontam que ela surgiu na América e viajou até a Europa junto com Cristóvão Colombo e a notícia do descobrimento de um novo continente, já outras indicam que o problema estava presente antes mesmo da colonização americana, entre 16 mil e 5 mil anos atrás.

O certo é que a propagação nos séculos XV e XVI fez com que a doença virasse uma endemia e recebesse vários nomes, desde “mal francês” até “doença napolitana”.

Por muito tempo, o problema foi tratado com plantas, metais e até mesmo pelo contágio da malária, pois acreditavam que a forte febre gerada pela condição acabaria com a sífilis. Apenas na época da Segunda Guerra Mundial foi reconhecido e propagado o uso da penicilina como o tratamento mais eficaz.

Sífilis adquirida e congênita: qual é a diferença?

A doença está dividida em dois tipos, que se diferenciam quanto à forma de transmissão:

Sífilis congênita

A transmissão da sífilis da gestante infectada para o filho é chamada de congênita e ocorre porque a bactéria atravessa a placenta e contamina o bebê.

O contágio pode ocorrer em qualquer estágio da gravidez, gerando complicações como aborto, morte infantil e malformações do feto que vão desde cegueira e surdez até alterações cerebrais.

“O ideal é que todo pré-natal inclua o exame de sífilis. Se o resultado for positivo, existe um tratamento correto para que a condição não atinja o bebê”, ressalta o infectologista..

Sífilis adquirida

Já a sífilis adquirida é transmitida por meio de relação sexual sem preservativo, seja ela vaginal, oral ou anal.

O micro-organismo pode ser passado também por transfusão de sangue infectado, o que é algo bem raro hoje em dia, ou compartilhamento de seringas.

Por que ela se tornou uma epidemia?

O número de casos dessa DST aumentou drasticamente no mundo todo na última década.

O mais recente levantamento do Ministério da Saúde sobre o panorama nacional gerou resultados surpreendentes: apenas de 2014 a 2015, os registros da doença adquirida aumentaram 32,7%. Já os casos de sífilis congênita cresceram 19%.

Apesar do crescimento do problema parecer fruto unicamente da falta de preservativo, o buraco é mais embaixo:

Descuido dos jovens

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As epidemias de DST das décadas anteriores fizeram com que a população se conscientizasse quanto à necessidade do preservativo. Entretanto, o atual aumento do número de casos atinge especialmente adultos jovens que não viveram essa época, o que dificulta com que entendam a real importância de se proteger nas relações sexuais.

Falta de conhecimento

A sífilis é uma doença pouco falada e sua imagem na maioria das vezes é relacionada a um risco do passado. No entanto, ele está mais vivo do que nunca: a Organização Mundial de Saúde informa que anualmente são notificados aproximadamente seis milhões de casos de sífilis – o que equivale a metade da população da cidade de São Paulo.

Falta de tratamento

A ginecologista Maria Rita Curty, do Hospital e Maternidade São Cristóvão, indica outro motivo pelo qual a sífilis é subdiagnosticada, ou seja, identificada muito menos do que deveria: “As pessoas não buscam ajuda na fase primária, visto que os sintomas são passageiros e mais leves. Então, a ausência de diagnóstico e tratamento faz com que elas continuem fazendo sexo sem proteção, infectando cada vez mais parceiros”.

Doença silenciosa

O médico Eduardo Alexandrino Servolo de Medeiros afirma que a doença é silenciosa porque muitas vezes demora meses ou anos para se manifestar, ficando em estado latente e assintomático.

Além disso, os sintomas passageiros das primeiras fases da sífilis confundem e fazem muita gente pensar que teve apenas uma alergia, postergando o diagnóstico e contaminando parceiros.

Medo do tratamento

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O tratamento para sífilis consistem em duas injeções de penicilina benzatina semanais durante três semanas, o que afasta muitos pacientes.

“Não adianta aplicar só uma, porque a doença continuará. É uma injeção bastante dolorida que faz muita gente desistir, mas elas esquecem que as consequências em longo prazo da sífilis são muito piores, como cegueira, convulsão e demência”, alerta.

Acesso à penicilina

O desabastecimento da penicilina em drogarias e postos de saúde também atrapalha o tratamento e reforça a epidemia. O problema teve seu auge em 2015, o que fez com que o Ministério da Saúde tomasse medidas que, segundo eles, mudaram a situação e garantiram os estoques.

Ainda por cima, há a resistência de profissionais em aplicar a droga por medo de choque anafilático, uma reação alérgica grave e muitas vezes fatal que ocorre somente em uma pequena parcela dos casos. 

Em resposta à desconfiança, o Conselho Federal de Enfermagem publicou nota em que orienta que os riscos do tratamento são muito inferiores aos benefícios de sua realização, sendo permitido por enfermeiros aplicar a penicilina mesmo sem a presença de um médico.

Notificação compulsória

Essa não é uma das razões pelas quais mais pessoas estão sendo infectadas, mas explica, em partes, o aumento da incidência de sífilis adquirida no Brasil. Desde 2010, qualquer profissional da saúde que deu o diagnóstico para alguém deve notificar o Ministério da Saúde, que posteriormente avisa o parceiro do infectado.

Como a sífilis se manifesta?

Os sintomas da DST sífilis dependem da fase, segundo o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis: 

Sífilis primária

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A primeira etapa da sífilis adquirida apresenta feridas na área interna ou externa dos órgãos genitais, ânus e boca. Elas são indolores, sem pus, não coçam e saram naturalmente, sem que seja necessário fazer tratamento algum. Como não doem, as lesões não impedem a relação sexual, o que dissemina ainda mais o problema.

Ainda pode haver nódulos na virilha, frutos do inchaço dos gânglios linfáticos.

Sífilis secundária

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Costuma ocorrer seis meses após a primeira fase. Seus sintomas incluem: lesões na pele (especialmente nas palmas das mãos e solas dos pés) que não coçam ou doem, inchaço dos gânglios, dor de garganta e cabeça.

Sífilis terciária

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Após a fase secundária, a sífilis entra em um período indeterminado de latência, demorando de dois a 40 anos para se tornar terciária. 

Os sintomas são mais graves e preocupantes: a bactéria atinge o sistema nervoso central, gerando convulsões, terror noturno, demência, pesadelos e lesões neurológicas. Ainda há degeneração de ossos como a tíbia e da pele e problemas cardiovasculares.

O acometimento cerebral explica porque era comum que pacientes com sífilis fossem internados em hospitais psiquiátricos antigamente.

Como tratar

Apesar de ser uma epidemia, a sífilis é extremamente fácil de curar. Os cuidados simplesmente incluem injeções de penicilina benzatina, a famosa benzetacil, na pessoa infectada e em seu parceiro. Bastam duas aplicações, uma em cada glúteo, durante três semanas para o problema desaparecer.

Esse tratamento pode ser utilizado, inclusive, por gestantes, impedindo que a bactéria atinja o bebê.

Se a doença já está na terceira fase, é possível usar um antibiótico ainda mais forte, a penicilina cristalina, com a mesma posologia descrita acima.

Se a grávida der a luz sem passar pelo tratamento, o bebê com a sífilis congênita recebe a cristalina em doses menores na veia por alguns dias, o que evita que continue se manifestando mas não trata os problemas já instalados.

Como conter a epidemia

Não há resposta mais simples: use camisinha. Seja o modelo masculino ou feminino, ela é o único jeito eficaz de prevenir DSTs. E não adianta usá-la apenas no sexo vaginal e anal, visto que a relação oral também transmite doenças.

Realizar testes periódicos também é importante, especialmente antes de engravidar e no pré-natal. O exame de sífilis leva no máximo 30 minutos e está disponível nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).

DSTs: previna-se