O câncer é, ainda hoje, uma mal bastante temido e relativamente complicado de se tratar – e é justamente por isso que a remissão total da doença em um homem de 63 anos em estado gravíssimo após um tratamento inovador desenvolvido por médicos da Universidade de São Paulo (USP) e aplicado pela 1ª vez na América Latina representa um passo tão importante na luta contra esse problema.
Paciente tem remissão do câncer após terapia inovadora
Segundo informações do “Jornal da USP”, que noticiou a conquista dos médicos, o paciente em questão lutava desde 2017 contra um linfoma não Hodgkin (que ataca o sistema linfático e, consequentemente, as defesas do corpo), e os tratamentos aos quais ele fora submetido anteriormente apresentaram resultados ruins.
Após realizar tanto quimioterapia quanto radioterapia, o estágio do câncer não só não regrediu como também estava piorando – e foi então que ele entrou com um pedido para ser tratado na modalidade de uso compassivo. Isso significa, segundo o veículo, que a nova terapia foi usada como uma última alternativa de curá-lo da doença.
Terapia inédita devolve futuro a paciente de câncer terminal. Médicos da USP aplicam pela 1a vez na América Latina imunoterapia com células T em linfoma grave. Dos testes ao tratamento, tudo feito em instituição pública, criando produto a ser usado no SUS. https://t.co/UyG4809xns pic.twitter.com/xXxFOWUJJh
— Ciência USP (@cienciausp) October 11, 2019
Antes de chegar aos médicos da USP, o paciente buscou o auxílio de hospitais no exterior (já que, nos Estados Unidos, por exemplo, ele já está disponível) , mas a burocracia e o custo para realizá-lo eram inviáveis, e então Renato Cunha, responsável pelo desenvolvimento desta terapia no Brasil, tomou a frente do caso.
O paciente chegou ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (interior de São Paulo) no início de setembro de 2019 com um quadro preocupante. Muito magro, com suores noturnos e dores fortes nos ossos, ele foi submetido a uma terapia com as chamadas células CAR T e, pouco mais de um mês depois, os sintomas do câncer desapareceram.
Tratamento com células CAR T: como funciona
Conforme explicado pelo veículo, CAR T significa ‘célula T com receptor de antígeno quimérico’ e, na prática, isso consiste em células que são geneticamente modificadas para “caçar” e destruir as que estiverem doentes. Diferente de outros tratamentos para câncer disponíveis, esta terapia é individualizada, então o tipo de “programação” feita na célula depende do quadro do paciente.
No caso deste paciente, as células coletadas para a modificação foram os linfócitos T, que são parte do sistema linfático e defendem o corpo, eliminando organismos prejudiciais. Como o câncer tinha origem nos linfócitos B (outra célula deste sistema), os linfócitos T foram programados para procurá-las e destruí-las – e, com esta modificação, se tornaram células CAR T.

Durante este processo, é extraída uma amostra de sangue do paciente, de onde as células que serão usadas na terapia são extraídas e recebem uma espécie de vírus sintético com habilidade de reconhecer algumas substâncias. Neste caso, os linfócitos T passaram a reconhecer uma proteína presente na membrana dos linfócitos B doentes, eliminando então o câncer do organismo.
Ao veículo da universidade, Dimas Tadeu Covas, médico hematologista e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, contou que o sucesso da terapia é algo importante – especialmente por ter vindo de uma tecnologia complexa totalmente desenvolvida dentro do Brasil. “Esse tratamento é um dos mais promissores que existem no momento”, disse.
Além disso, este sucesso também permite que a terapia seja diversificada, ou seja, testada para outros fins. “É como, por exemplo, produzir uma Aspirina. Você aprende a produzir o comprimido […], mas depois pode ser um Anador, um Tylenol”, afirmou Renato Cunha, médico que cuidou do caso e está à frente do desenvolvimento de uma plataforma brasileira para a terapia.

Liberação no Brasil e SUS
Apesar de ser promissor e já ter sido liberado pela Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, o tratamento com células CAR T ainda não está disponível para o sistema de saúde público ou privado brasileiro – mas, de acordo com os médicos envolvidos nesta conquista, ele tem potencial para isso.
Segundo Covas, nos Estados Unidos, o custo de tudo o que esta terapia envolve pode chegar a US$ 1 milhão (cerca de R$ 4 milhões) e, antes de torná-la disponível no Brasil, é preciso barateá-la. Conforme explica, a plataforma brasileira pode torná-la 20 vezes mais barata, e a ideia é deixar o protocolo aberto para que vários laboratórios possam desenvolvê-lo.
“É um grande avanço em termos sociais. Vamos poder oferecer isso, daqui a algum tempo, para a nossa população”, comemorou Covas.
