Muitas dúvidas pairam diante da pandemia do novo coronavírus e sobre como a doença desencadeada pelo SARS-CoV-2 afeta o corpo.
Para sanar estas questões, o VIX conversou com infectologistas para entender melhor como o vírus atua no corpo humano e o que se sabe até agora sobre possíveis sequelas, além de outras questões.
O que o novo coronavírus causa no corpo
Identificado pela primeira vez em dezembro de 2019, o que se sabe sobre o SARS-CoV-2 é que ele pertence à família dos coronavírus, um tipo de vírus identificado pela primeira vez em 1960, transmissível de animais para humanos (e entre humanos) e que é responsável por causar síndromes respiratórias.
Sua transmissão acontece quando secreções das vias respiratórias e gotículas de uma pessoa infectada atingem mucosas oculares, nasais e orais de alguém saudável – regiões estas que permitem a entrada do vírus no organismo.
Segundo o infectologista Claudio Roberto Gonsalez, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, o coronavírus tem uma predileção por se acomodar em vias respiratórias, e uma das consequências disso é o processo inflamatório que o vírus pode causar nos pulmões, dificultando a troca de ar com o sangue.
Este apreço acontece porque o trato respiratório possui uma quantidade considerável de células receptoras chamadas ECA-2 (enzima conversora da angiotensina), que interagem muito bem com o SARS-CoV-2.
Francisco Ivanildo Oliveira Júnior, infectologista e gerente de Qualidade e Controle de Infecção Hospitalar do Sabará Hospital Infantil, explica que esses receptores estão nos brônquios, bronquíolos, pulmões e inclusive nos pneumócitos – células do corpo responsáveis pelas trocas gasosas e que são bem ricas em ECA-2.
“Por isso o novo coronavírus provoca sintomas principalmente nas vias respiratórias inferiores (traqueia, pulmões, brônquios, bronquíolos e alvéolos pulmonares). Em casos de COVID-19, é mais comum o paciente apresentar falta de ar e tosse, que é um sinal de comprometimento dos brônquios, do que sintomas típicos de quadro de resfriados e da própria influenza, que são a coriza, o nariz entupido, dor de garganta”, diz.
Casos graves x casos leves de COVID-19
É justamente o fato de atacar as vias respiratórias inferiores que torna o SARS-CoV-2 potencialmente perigoso.
De acordo com Oliveira Júnior, em torno de 19 a 20% dos pacientes com COVID-19 chegam a ter comprometimento pulmonar mais intenso. São os chamados casos moderados, que têm a pneumonia como manifestação clinica. O infectologista explica que nem sempre esses casos necessitam de internação em unidade de tratamento intensivo (UTI).
Os casos de UTI seriam para os 5% de pacientes caracterizados pelo comprometido pulmonar extremo e que necessitam de ajuda externa para sobreviver.
“Este grande processo inflamatório [causado pelo SARS-CoV-2] leva o paciente ao quadro que chamamos de insuficiência respiratória. A depender da intensidade, os indivíduos comprometidos pelo vírus necessitarão de ventilação assistida [respiração por aparelhos], o que pode resultar em morte nos casos mais graves”, explica Gonsalez.
Pacientes sem sintomas ou sintomas brandos
Mas a maioria dos pacientes não chega a este estado e, dentre elas, há inclusive aquelas que sequer manifestam sinais da doença.
“Há uma porcentagem de pessoas que são completamente assintomáticas, que se infectam mas não desenvolvem sinais da doença. E entre as pessoas que desenvolvem sintomas, 80% são sintomas leves e com algum tipo de comprometimento pulmonar”, diz Oliveira Júnior.
Geralmente, os casos mais leves da doença são caracterizado por tosse, febre e falta de ar – mas não a ponto de haver necessidade de internação ou suplementação de oxigênio.
COVID-19 ataca outras regiões do corpo
O fato de o SARS-CoV-2 preferir regiões do trato respiratório não descarta a possibilidade de que o vírus se aloje em outras partes do corpo. Além de estarem presentes nas vias respiratórias, os receptores ECA-2 também atuam em outros sistemas do organismo humano.
É o caso do trato digestivo. O ECA-2 pode existir em células do estômago, do intestino e do reto, por exemplo. “É por isso que a COVID-19 tem como [possíveis] sintomas desconforto abdominal, diarreia e náuseas”, diz Oliveira Júnior.
O que o médico sinaliza, porém, é que menos de 10% dos pacientes apresentam os sintomas gastrointestinais, que podem passar despercebidos ou não são relacionadas ao SARS-CoV-2.
“Os sintomas podem até preceder as queixas respiratórias. É uma doença basicamente respiratória e de menor intensidade gastrointestinal”, comenta Oliveira Júnior.
Células do coração também podem ter os receptores, por isso a possibilidade de inflamação do músculo do miocárdio. O mesmo vale para as células renais e a possibilidade de inflamação dos rins.
Sequelas provocadas pela COVID-19: o que se sabe
Fibrose pulmonar
Segundo os médicos entrevistados pelo VIX, alguns pacientes, após alta e recuperação da COVID-19, têm apresentado redução na capacidade pulmonar (limitação da respiração).
O que os especialistas explicam a partir da análise dos casos estudados pela comunidade científica é que estes pacientes podem ter desenvolvido fibrose pulmonar, condição em que o tecido pulmonar endurece e o órgão não pode funcionar adequadamente.
“A fibrose pulmonar funciona assim: da mesma forma que uma parte do corpo tem um ferimento e a pele não volta ao normal, no pulmão ou qualquer órgão lesado o tecido também fica mais endurecido, já que as células são substituídas por outras, chamadas cicatriciais e fibróticas. Então, a parte do pulmão que tem essas células fibróticas não exerce a função de troca gasosa”, explica Oliveira Júnior.
O grau de comprometimento da função pulmonar, segundo Oliveira Júnior, varia de acordo com o grau de inflamação dos pulmões de cada paciente e de sua idade: quanto mais jovem, maior a chance de recuperação das células dos pulmões.
Os dois infectologistas entrevistados enfatizam, porém, que ainda é cedo para saber se a fibrose pulmonar é um dano permanente em pacientes com COVID-19 ou se em algum momento será possível reverter o prejuízo nesses indivíduos.
Demais dano causados ao corpo pela COVID-19
Além da fibrose pulmonar, Oliveira Júnior também menciona outras complicações possíveis em quadros graves de COVID-19.
Os paciente com a infecção podem desenvolver o chamado choque séptico, também conhecida como infecção generalizada. Há ainda o risco de comprometimento das funções cardíacas e renais. Além disso, o paciente também pode ter danos neurológicos pelos problemas respiratórios e falta de oxigenação.
Vale lembrar que os riscos aumentam conforme a idade do paciente: os idosos acima dos 60 anos, com ênfase nos maiores de 80, são os que apresentam maiores riscos. Pacientes com comorbidades, como doenças cardiovasculares, pulmonares (doença pulmonar obstrutiva crônica, asma), hipertensão, diabetes ou condições que diminuem a imunidade também são mais vulneráveis.
Coronavírus pode infectar mesma pessoa duas vezes?
Tem chamado atenção da comunidade científica a reincidência de casos de COVID-19 em alguns pacientes. No Japão, segundo a rede estatal de notícias “NHK”, um homem de 70 recebeu o resultado positivo para COVID-19 cerca de um mês após se recuperar da infecção. Além dele, outros casos de reincidência de COVID-19 foram relatados na China.
Segundo Gonsalez, a situação é inusitada. “O que é esperado é o estabelecimento de imunidade contra o vírus, que impediria uma segunda ocorrência da mesma doença em um período tão curto de tempo”, diz o infectologista, explicando que, após uma infecção viral, o normal é o corpo reagir com a formação de anticorpos neutralizantes que impediriam uma segunda ocorrência neste curto espaço de tempo.
Oliveira Junior reforça: “O que acontece no corpo de um paciente ao ter um quadro agudo da doença é que ele adquire uma imunidade e mesmo que ela não seja permanente, ela protege o individuo de reinfecções por alguns meses”, diz.
Sendo assim, os infectologistas explicam algumas possibilidades para o reaparecimento da doença:
- uma falha imunológica no corpo do paciente impediu, por algum motivo, a formação de anticorpos neutralizantes do SARS-CoV-2, o que permitiu a reinfecção pelo vírus nestes pacientes;
- o vírus sofreu algum tipo de mutação e, assim, os anticorpos desenvolvidos não servem mais para proteger o corpo contra a nova cepa;
- resíduos de SARS-CoV-2 permaneceram no corpo destes pacientes e apareceram nos testes laboratoriais, mas não causam mais sintomas nem permitem que o indivíduo transmita o vírus;
- houve uma falha laboratorial no resultado do teste para COVID-19.
Os médicos lembram que nem sempre um teste com resultado falso-positivo ou falso-negativo significa um erro de técnica, já que nenhum exame é 100% assertivo. Em casos de falsos-negativos, a possibilidade de erro pode existir porque o material colhido para a análise do vírus não conseguiu detectar o agente. “Dependendo da fase da doença, o paciente pode estar excretando uma quantidade pequena de vírus, e o teste não é capaz de notar. Se após 1 ou 2 dias o teste for repetido, o que era negativo ou inconclusivo pode se tornar positivo”, diz Oliveira Junior.
Para casos de falsos-positivos, porém, o erro pode vir através de contaminação. “Por vezes, há substâncias no sangue ou mesmo uso de medicações que poderiam proporcionar esses desvios”, menciona Gonsalez.
Prevenção ao SARS-CoV-2
Como a comunidade científica não sabe, ainda, se o SARS-CoV-2 possui variações, Gonsalez recomenda que os métodos de prevenção ao vírus sejam os mesmos indicados até o momento pelos órgãos de saúde. São eles:
- Evitar tocar olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas;
- Lavar as mãos frequentemente com água e sabonete por pelo menos 20 segundos, respeitando os 5 momentos de higienização. Se não houver água e sabonete, usar um desinfetante para as mãos à base de álcool;
- Higienizar objetos de uso frequente, como celulares;
- Manter-se a um metro de distância de pessoas que estejam tossindo ou espirrando;
- Ao tossir ou espirrar, cobrir o rosto com a parte interna do cotovelo ou usar um lenço – e fazer uma higienização imediatamente, assim como jogar o material fora;
- Evitar contato com pessoas com doenças respiratórias;
- Ficar em casa, especialmente se estiver doente.