Saúde em infusão

Quando os primeiros portugueses chegaram a Macau, na China, lá pelo século XVI, encontraram logo um grupo de nativos, sentados sob um sol escaldante, tomando animadamente litros e litros de chá quente. Vendo aquilo, nossos patrícios pensaram: “ó pá! Esse povo do oriente é mesmo meio desregulado. Onde é que já se viu tomar chá nesse calor miserável?”. Mas logo acabaram descobrindo que líquidos gelados em dias de sol forte fazem aumentar a diferença entre a temperatura interna e externa do corpo. Ou seja, os chineses estavam certíssimos e, graças àquele hábito que causou estranheza aos portugueses, estavam levando numa boa a temperatura torrencial que fazia. Esse foi apenas um dos muitos segredos que esse povo difundiu com o hábito do chá que, além de aquecer o corpo e o espírito, tem infinitos efeitos benéficos para uma porção de males.

Um dos maiores exemplos da multiplicidade desse poder é também uma outra criação oriental, o chá verde, aquele que é servido por aqui como digestivo nos restaurantes típicos, substituindo o nosso cafezinho na bandeirada final do banquete. “Os chineses e as elites do tempo do império japonês, no século XVIII, usavam o chá verde para quase tudo. Teve tanto prestígio que acabou chamando a atenção de estudiosos europeus que pesquisaram o chá e descobriram nele alto teor de flúor, propriedades antiinflamatórias, além de capacidade de fortalecer os vasos sangüíneos”, conta a fitoterapeuta Isabel Pitanga, autora de uma tese de mestrado sobre o assunto. Recentemente, o chá verde voltou às pautas científicas depois que também se descobriram nele qualidades anticancerígenas.

Mas não é só no oriente que os chás fazem e acontecem. Em um país com uma diversidade natural tão grande quanto o Brasil, não é difícil encontrar uma lista quase infinita de chás com incríveis propriedades terapêuticas. “Essa é uma tradição que veio dos africanos, que tinham um vasto conhecimento sobre o uso das ervas. Uma delas, que virou uma marca registrada nossa, é o mate que, além de saborosíssimo, é ótimo contra má digestão, ácido úrico e problemas nas vias urinárias”, explica Isabel. É por essas e outras que os pesquisadores não cansam de se debruçar sobre as nossas plantas, como é o caso do quebra-pedra e da unha de gato. “São ervas que ficaram famosas pela atuação no fortalecimento do sistema imunológico. Estuda-se, inclusive, a possibilidade de extrair delas princípios ativos de medicamentos contra a Aids”, comenta Isabel.

As possibilidades são tantas que mesmo do que não se imagina podem surgir chás milagrosos. Ou você já imaginou colocar folhas de alface em infusão? “O chá de alface é um excelente analgésico e calmante. Outra possibilidade inusitada é o feito com casca de abacaxi, que é rico em vitamina C, melhora inflamações na garganta e ainda pode ser usado contra cravos e espinhas na limpeza de pele”, acrescenta a fitoterapeuta. Isso já não era segredo para a professora Angélica Coelho. “Usei o chá gelado de casca de abacaxi na pele durante a adolescência inteira. Além de tudo, é uma opção barata porque é uma coisa que, em geral, não tem uso, vai pro lixo”, recomenda.

Mesmo simples, o preparo dos chás não se resume em amontoar um monte de ervas numa panela de água quente. Antes de mais nada, é bom saber que, se fervidos por mais de cinco minutos, folhas e flores perdem seus princípios ativos. Por isso, o melhor método para preparar o chá é a infusão, colocando aproximadamente uma colher de sopa de folhas lavadas, secas ou frescas, em uma xícara e despejando em seguida a água quente. Depois, é deixar tampado por uns dez minutos e, só então, beber. “Vale lembrar que alguns chás funcionam como remédios e que, por isso, não devem ser muito exigidos no paladar. Adoçá-los com um pouco de mel, gengibre ou estévia, pode atenuar o gosto amargo de algumas ervas”, indica Isabel, que recomenda também olho vivo na superdosagem. “O chá de alecrim, que é um ótimo digestivo, se bebido em excesso pode gerar uma gastrointerite. O mesmo acontece com o chá de eucalipto, ótimo para problemas respiratórios, mas que, além da conta, causa vômitos e náuseas. O mesmo vale para os de gengibre e canela, que devem ser evitados por grávidas, já que aumentam a temperatura do útero”, alerta.

Durante a escolha, é importante observar se as folhas ou flores são de boa qualidade e se não têm mofo ou fungos. Isabel também lembra que o uso prolongado de uma determinada erva faz com que o organismo se acostume e ela perca seu efeito. “O ideal é usar no máximo por dois meses seguidos”, garante a fitoterapeuta. No entanto, se os sintomas e incômodos persistirem, não se deve esquecer de procurar um médico. Porque chá de cama, esse ninguém precisa tomar.