Era para ser um final de tarde romântico, mas a universitária Diana Castro interrompeu, abruptamente, um beijo. Nisso, o rapaz que a beijava, preocupado, perguntou: “Está tudo bem? Você está passando mal?” E foi aí que Diana respondeu: “Mais ou menos, é que eu esqueci o meu descongestionante em casa e fico com falta de ar só de pensar que estou sem ele”. Num primeiro instante, o relato pode parecer cena de filme de comédia ou de livro. Mas é a pura verdade e, pior, faz parte da realidade de mais de um terço da população mundial. Aparentemente inofensivos, os descongestionantes causam dependência química e podem até mesmo atrapalhar a vida pessoal do paciente.
A dependência pelas gotinhas já até resultou na criação de comunidades em um site de relacionamentos. A estudante Carolina Thibes, de 21 anos, criou, em maio de 2004, a comunidade “Vício: descongestionante nasal”. Segundo ela, até a data não havia nenhum fórum relacionado ao assunto, onde as pessoas pudessem trocar experiências sobre sua dependência. Carolina é “usuária” deste tipo de medicamento desde os onze anos de idade e revela que chega a requisitá-los cerca de dez vezes ao dia. “Quando criança, tinha muitas crises alérgicas, passei a usar os descongestionantes e os uso até hoje. Foi sempre natural para mim, carregar o vidrinho para aonde ia. Não posso dormir se ele não estiver na mesinha de cabeceira, olhando para mim. Acho que minha dependência virou psicológica. Se eu sei que estou sem, o nariz entope na hora!”, conta.
Na hora de dormir sinto muita falta de ar e não consigo ficar sem pingá-lo. Sei que o descongestionante é paliativo. Desentope na hora, mas volta a entupir
Foi por herança familiar que a estudante de odontologia Fernanda de Castro Silva adentrou no universo dos descongestionantes. “Eu estou habituada desde pequena a ver minha mãe dissolvendo Sorine com soro fisiológico e redistribuindo para a família. Aos treze anos de idade, comecei a usá-los e não parei mais”, conta. O desespero já levou Fernanda a sair no meio da madrugada em busca de uma farmácia para comprar o medicamento. “Já aconteceram algumas situações constrangedoras e engraçadas comigo, como estar na casa de uma amiga e, na ausência do remédio, sair para comprar com cara de maluca viciada”, ironiza.
Funcionamento
Diante de um resfriado ou de um quadro alérgico, os cornetos – estruturas esponjosas responsáveis pelo aquecimento e umidificação do ar que respiramos – ficam inchados, dificultando a passagem do ar. Usados para aliviar a obstrução do nariz, os descongestionantes se dividem em dois: os de uso tópico – em gotas ou spray – e os de uso oral – comprimidos e cápsulas. Ambos agem contraindo os vasos capilares e diminuindo o fluxo de sangue no interior dos cornetos. Com menos irrigação, eles diminuem e o espaço no interior do nariz torna-se maior, facilitando a passagem do ar e gerando a sensação de nariz desobstruído.
No entanto, de acordo com o otorrinolaringologista e presidente da Academia Brasileira de Rinologia, Renato Roithmann, o efeito desses medicamentos são temporários e podem causar a chamada rinite medicamentosa (dependência química). “Os descongestionantes de uso tópico induzem a um efeito rebote. O rápido descongestionamento que produzem é substituído por uma obstrução ainda maior que a anterior. Isto leva a pessoa a usar novamente a gota ou spray. Se utilizado por mais de cinco dias, os agonistas alfa-adrenérgicos presentes na sua formulação – oximetazolina, nafazolina – podem gerar dependência química”, esclarece Renato. Ao contrário dos descongestionantes de uso tópico, os de uso oral não induzem a dependência na maioria das pessoas, mas só devem ser ingeridos sob orientação médica.
Em média, o efeito dos descongestionantes dura seis horas. No entanto, em quadros de dependência química, o organismo solicita doses maiores e em tempos mais curtos, diminuindo o tempo de desobstrução. Esse é o caso da estudante universitária Diana Castro, lá do início da matéria. Ela sofre de asma e rinite alérgica e há mais de dez anos usa os descongestionantes. “Comecei a usá-los porque tinha crises de sinusite. Na hora de dormir sinto muita falta de ar e não consigo ficar sem pingá-lo. Sei que o descongestionante é paliativo. Desentope na hora, mas volta a entupir. Espero um dia não precisar mais deles”, desabafa.