“Eu fiz minha primeira dieta com 7 anos. Não me lembro de alguma época em que eu não estivesse tentando emagrecer. Mesmo assim, aos 18 anos, eu pesava 160 kg”. É assim que Paula Teixeira começa a contar a conturbada relação que manteve com seu próprio corpo a vida inteira.
Quando criança e durante a adolescência, a médica sentia um profundo incômodo por não ser considerada fisicamente igual às outras pessoas. “Era o olhar do outro que não deixava esquecer da minha teórica ‘inadequação'”, conta.
Na escola, o bullying aumentava ainda mais seu sofrimento e os comentários cruéis e a dificuldade de comprar roupas eram obstáculos para sua aceitação. “Apesar disso, eu nunca me odiei. Eu só não queria morar naquele corpo”, desabafa.
Emagrecer a qualquer custo
Paula é uma das inúmeras pessoas que, apesar de não ter desenvolvido transtornos alimentares, fazia uso de Práticas Não Saudáveis para Controlar o Peso (PNSCP), como adotar dietas restritivas e pular refeições.
De acordo com pesquisa realizada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), PNSCP afeta 31,9% dos adolescentes, sendo que 69% são mulheres.
“Eu nunca comi em paz e as refeições eram cercadas de culpa e dor. É aquela história de acordar e dormir pensando em emagrecer”, relembra Paula.
Bariátrica
Depois de fracassadas dietas para emagrecer, Paula se submeteu à cirurgia bariátrica aos 18 anos. O procedimento fez com que perdesse 40 quilos, o que foi pouco comparado com sua expectativa.
“Apesar de a cirurgia cumprir seu papel e de eu ficar mais magra, minha relação com a comida não mudou”, lembra.
Tal fixação em emagrecer a qualquer custo a levou a mais de dez anos de regimes frustrados – com abordagens que vão desde a dieta da lua até a Dukan – e medicamentos que, mesmo com acompanhamento médico adequado, não funcionavam.
Nessa altura, é possível imaginar que Paula comesse demais ou fosse sedentária, mas isso não é verdade: “Eu comia pouco porque a cirurgia não permitia exagerar, também era ativa fisicamente e, mesmo assim, não emagrecia.”
Dieta ao contrário
O fim da aflição só veio quando a médica conheceu a nutricionista franco-brasileira Sophie Deram em sua pós-graduação em Medicina Integrativa.
A especialista é reconhecida nacionalmente por pregar o conceito antidieta e afirmar que a restrição alimentar é uma das causas de obesidade, já que o cérebro percebe a perda de peso como um risco e desenvolve mecanismos para se adaptar.
A teoria da nutricionista é simples: para emagrecer e encontrar o equilíbrio, é preciso escutar o que o corpo diz, alimentá-lo quando ele estiver com fome e parar de impor comida quando ele não estiver. Respeitando a fome e a saciedade, a perda de peso vem como um resultado natural.
Dificuldade para emagrecer
Em uma das conversas com Deram, Paula disse que não comia muito e ainda assim continuava estacionada no mesmo peso. A nutricionista respondeu que, provavelmente, seu metabolismo estava extremamente lento por conta das diversas dietas que realizou ao longo da vida.
Segundo a teoria da especialista, que é PhD em endocrinologia pela USP e especialista em neurociência do comportamento alimentar, conforme o organismo passa pelo estresse da perda de peso rápida, ele cria mecanismos para armazenar ainda mais calorias, a fim de preservar a vida do sujeito.
Um desses mecanismos é a mudança no apetite, que, segundo Deram, fica aumentado por até um ano após o fim de uma dieta restritiva e é um dos motivos pelos quais 95% das pessoas voltam a engordar após uma grande privação alimentar. A desaceleração do metabolismo é outro desses artifícios.
O incentivo convenceu Paula e a fez interromper as tentativas de emagrecer com regimes.
Mindful Eating: como muda relação com a comida
Apesar da esperança, a nova abordagem gerou muitos questionamentos, o que fez a jovem pesquisar acerca do tema e encontrar o Mindful Eating, prática que prega a atenção plena ao se alimentar. “Uma nova luz se acendeu em mim. Este conceito mudou minha vida como um todo”, conta Paula.
O que é?
A técnica é uma vertente do Mindfulness, abordagem que faz parte da terceira geração da Terapia Cognitivo-Comportamental e consiste em explorar o estado mental de atenção plena.
É fácil entendê-lo: feche os olhos por alguns minutos e perceba tudo o que surge em sua mente. Provavelmente, muitos de seus pensamentos estão relacionados à interpretação de eventos passados e ao planejamento do futuro.
Na alimentação, o cenário não é diferente. Um claro exemplo é comer uma pedaço de chocolate já pensando em devorar a barra toda. Provavelmente, a partir do terceiro quadradinho, não será sentido o mesmo prazer que o primeiro proporcionou.
Em contraponto, a atenção plena reconecta cada indivíduo ao momento presente, tornando-o capaz de perceber todos os aspectos do alimento, de sua fome e especialmente de sua saciedade.
“Ele ajuda a aproveitar cada momento e honrar as vontades e as necessidades do corpo”, explica a nutricionista Vera Salvo, instrutora de Mindfulness e Mindful Eating. Com isso, é possível comer de tudo, mas não tudo.
Objetivo não é a perda de peso
Segundo a nutricionista Vera Salvo, muitas pessoas usam o alimento como uma droga lícita que alivia as dificuldades da vida. Isso gera compulsões e o comer emocional, que é o ato de se alimentar por tristeza, tédio ou até felicidade, mesmo sem estar com fome.
A relação deturpada também provém da ideia, cultivada desde a infância, de que comida é uma recompensa (quem nunca ouviu dos pais: “Se você comer tudo, vai ganhar sobremesa”?).
O mindfulness na alimentação desconstrói essas concepções e melhora a relação alimentar ao gerar curiosidade por novos alimentos, promover a gentileza consigo mesmo, ensinar a acolher os deslizes e não julgar o que é certo ou errado.
A nutricionista Valéria Bordin, instrutora de Mindful Eating e especialista em transtornos alimentares, complementa que essas premissas mostram que a técnica não tem como objetivo a perda de peso, mas esta acaba sendo uma consequência da mudança de hábitos e ações.
“O peso que nunca fui capaz de perder em nenhuma dieta”
A partir da prática do comer consciente, Paula Teixeira perdeu 20 quilos em 4 anos. “É o peso que nunca fui capaz de perder em nenhuma dieta”, conta.
Hoje, ela não come para que seu corpo mude, mas para nutri-lo e honrar suas vontades. “Aprendi que comida não é o problema. Comida é solução. Emagrecer precisa ser um processo sustentável, sem guerra com o corpo ou com a alimentação”, afirma.
A transformação foi tamanha que, além de médica integrativa e nutróloga, Paula se especializou no método, ajudando pessoas a estabelecerem uma conexão saudável com a mente e a comida.
Ela ainda é fundadora do Centro Brasileiro de Mindful Eating, instituição sem fins lucrativos que ajuda profissionais e promove discussões.
Como começar o Mindful Eating: 3 exercícios simples
A técnica do comer consciente pode ser aplicada por profissionais da saúde, como médicos, nutricionistas e psicólogos qualificados internacionalmente pelo Mindfulness Based Eating Awareness Training (MB-EAT).
Apesar de não existir uma prescrição generalizada, já que o processo segue as particularidades do paciente, alguns exercícios já prometem alivio. Aprenda alguns:
Uma garfada de cada vez
A nutricionista Vera Salvo aconselha repousar os talheres após colocá-los na boca e só segurá-los novamente após mastigar, saborear e engolir o alimento. “Assim, se aproveita o presente ao invés de esperar sempre a futura garfada”, explica.
Identificando gatilhos
Comemos por muitos motivos: gatilhos sociais (não fazer desfeita a alguém, por exemplo), de escassez (para não desperdiçar ou ficar com fome mais tarde), ligados ao dinheiro (ao pagar caro em um rodízio, por exemplo), ou por nos sentirmos merecedores após um longo dia. Ou seja, são poucas as vezes nas quais a comida é usada para saciar a fome realmente.
Há um exercício que ajuda a identificar os gatilhos que fazem comer sem fome física: basta identificar o porquê você irá se alimentar em determinada ocasião e pensar se realmente vale a pena o fazer.
Fome e saciedade
Esse exercício ajuda a reconhecer as diferenças que o corpo dá em graus de fome e saciedade que vão de 0 a 10.
“Na fome de nota 10, a pessoa sente o estômago roncar, tem dores de cabeça e até irritação. Na saciedade 10, se sente estufada, sonolenta, com uma leve falta de ar”, exemplifica a médica instrutora de Mindful Eating Paula Teixeira.
Aprender a diferenciar cada estágio das sensações é importante para identificar quando realmente é preciso comer, além de o que. Tal prática leva tempo e requer orientação de um especialista, mas pode ajudar a entender as próprias vontades.
Prática dos três minutos
“Se estamos em um dia agitado, comemos refeições rapidamente, sem sentir nossas emoções, e acabamos ingerindo mais do que precisamos”, afirma a instrutora Valéria Bordin.
Para driblar esse hábito ruim, a especialista ensina um exercício para acalmar a mente antes de comer: sente-se de maneira confortável por 3 minutos e concentre-se nos seus sinais internos, como respiração, sentimentos e fome. Em seguida, amplie seu plano de consciência, sentido todo o organismo e finalize com respirações profundas.
Quem pode se beneficiar do Mindfulness?
Qualquer pessoa pode adotar o comer consciente, independente da idade, sexo ou peso, já que os benefícios vão muito além do emagrecimento, acarretando uma vida mais conectada e equilibrada.
Porém, o método não substitui acompanhamento para pessoas com transtornos metabólicos ou endócrinos, sendo recomendado buscar um médico para avaliar as causas e opções de tratamentos.
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